
Moacyr de Azevedo é um senhor de números. Toca mais de mil músicas no cavaquinho e no violão, se as contas não falham. Fitas K-7, com registros de ensaios e encontros de sábado à tardinha, somam quase 200 e enchem um compartimento da estante da sala, em sua casa no Jardim das Américas. Anos de estudo são cinco, profissões foram duas, filhos conta três. Moacyr é hiperbólico. E cultua certa ranzinzice. Que até cai bem em seus 90 anos, completados agorinha, em agosto: “Se eu for contar da minha vida, leva um mês. Se eu falar com quem eu toquei, vai mais três semanas”.
A entrevista de duas horas e meia foi o bastante para confirmar que Moacyr é patrimônio vivo do chorinho de Curitiba. Conviveu com os grandes músicos de seu tempo – Walter Scheibel, Arlindo dos Santos, Edmundo do Pandeiro, Gedeon de Souza, Nilo Preto e Zé Pequeno. O incontestável flautista Altamiro Carrilho (1924-2012) queria despachar Moacyr para o Rio de Janeiro, tamanho o talento do moço “galã, com bigodinho de salafrário”, segundo a definição do filho Claudinei. Pixinguinha esteve próximo. Orlando Silva e Nelson Gonçalves o queriam no palco quando desembarcavam para shows na cidade. Canhoto, do Demônios da Garoa, deu-lhe um cavaquinho porque achava que com Moacyr o instrumento estaria em melhores mãos. Foi em 1950.
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Anos depois, com o conjunto Regional do Janguito (do cavaquinista Janguito do Rosário), lotava os auditórios das rádios Guairacá e PRB-2. Foi numa dessas que conheceu a esposa Matilde. Tocando uma guitarra “pesada pra burro”, o nosso Buddy Holly animava os bailes no restaurante dançante Boneca do Iguaçu, em São José dos Pinhais, na companhia ilustre de Waltel Branco. Fazia a festa no antigo Da Vinci. Dava vida às madrugadas da Sociedade Batel. Viajava com a orquestra de Edílio Galetto. Mas a vida esticou o compasso.
“Como tenho saudade daquela turminha”, diz Moacyr. Seus companheiros de serestas “já partiram”, como lembra o cantor e escudeiro Milton Fadel. “As pessoas e a música não estão mais em volta. Aí ele se aborrece.” Moacyr perdeu parte dos movimentos das mãos e está parcialmente surdo. Pior: a música que ouve lhe soa sempre distorcida, fora do tom. Para alguém com ouvido quase absoluto, é o inferno – lembra o autoenclausuramento do personagem de Mathieu Amalric no filme “O Escafandro e a Borboleta”. “A música era a minha vida”, resume o chorão, consolado.
Moacyr de Azevedo nasceu na Lapa, em 1925. Mudou-se para Antonina aos seis anos. Ainda criança, construiu uma flauta de bambu nas folgas do trabalho – ajudava o pai num matadouro. Autodidata completo, começou a praticar instrumentos diversos. Animava bailinhos no litoral. E assim foi. Mudou-se para Curitiba – morava na antiga Vila Tássi –, teve o talento reconhecido e fundou o conjunto Choro e Seresta, que dá canja na Feirinha do Largo da Ordem aos domingos desde 1973. É motivo de tese de mestrado e coleciona súditos. “Seu Moacyr é uma instituição musical. Tem percepção auditiva impressionante. Foi uma verdadeira escola,” atesta o violonista João Egashira, novo diretor da fase popular da Oficina de Música de Curitiba. “Ele envenenava o cavaco para melhorar a sonoridade. Tinha palhetada firme.”
Ao som de chorinho no toca-fitas, Matilde entrega: Moacyr gosta de jogar escopa. É para passar o tempo, que não passa nunca.
O músico desiste do cavaquinho que chega às suas mãos antes do filho Claudinei anunciar que o pai desafina todos os instrumentos antes de guardá-los.

















