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Sr. Chorinho completa 90 anos

Fundador do grupo Choro e Seresta, Moacyr de Azevedo relembra a “época de ouro” e joga escopa para driblar o tempo

Moacyr hoje, aos 90 anos, com o cavaquinho que ganhou de Canhoto. À direita, o moço “com bigode de salafrário” em turnê no Rio de Janeiro, na década de 1950. | Pedro Serapio/Gazeta do Povo
Moacyr hoje, aos 90 anos, com o cavaquinho que ganhou de Canhoto. À direita, o moço “com bigode de salafrário” em turnê no Rio de Janeiro, na década de 1950. (Foto: Pedro Serapio/Gazeta do Povo)

Moacyr de Azevedo é um senhor de números. Toca mais de mil músicas no cavaquinho e no violão, se as contas não falham. Fitas K-7, com registros de ensaios e encontros de sábado à tardinha, somam quase 200 e enchem um compartimento da estante da sala, em sua casa no Jardim das Américas. Anos de estudo são cinco, profissões foram duas, filhos conta três. Moacyr é hiperbólico. E cultua certa ranzinzice. Que até cai bem em seus 90 anos, completados agorinha, em agosto: “Se eu for contar da minha vida, leva um mês. Se eu falar com quem eu toquei, vai mais três semanas”.

A entrevista de duas horas e meia foi o bastante para confirmar que Moacyr é patrimônio vivo do chorinho de Curitiba. Conviveu com os grandes músicos de seu tempo – Walter Scheibel, Arlindo dos Santos, Edmundo do Pandeiro, Gedeon de Souza, Nilo Preto e Zé Pequeno. O incontestável flautista Altamiro Carrilho (1924-2012) queria despachar Moacyr para o Rio de Janeiro, tamanho o talento do moço “galã, com bigodinho de salafrário”, segundo a definição do filho Claudinei. Pixinguinha esteve próximo. Orlando Silva e Nelson Gonçalves o queriam no palco quando desembarcavam para shows na cidade. Canhoto, do Demônios da Garoa, deu-lhe um cavaquinho porque achava que com Moacyr o instrumento estaria em melhores mãos. Foi em 1950.

Confira fotos da carreira de Moacryr de Azevedo

Anos depois, com o conjunto Regional do Janguito (do cavaquinista Janguito do Rosário), lotava os auditórios das rádios Guairacá e PRB-2. Foi numa dessas que conheceu a esposa Matilde. Tocando uma guitarra “pesada pra burro”, o nosso Buddy Holly animava os bailes no restaurante dançante Boneca do Iguaçu, em São José dos Pinhais, na companhia ilustre de Waltel Branco. Fazia a festa no antigo Da Vinci. Dava vida às madrugadas da Sociedade Batel. Viajava com a orquestra de Edílio Galetto. Mas a vida esticou o compasso.

“Como tenho saudade daquela turminha”, diz Moacyr. Seus companheiros de serestas “já partiram”, como lembra o cantor e escudeiro Milton Fadel. “As pessoas e a música não estão mais em volta. Aí ele se aborrece.” Moacyr perdeu parte dos movimentos das mãos e está parcialmente surdo. Pior: a música que ouve lhe soa sempre distorcida, fora do tom. Para alguém com ouvido quase absoluto, é o inferno – lembra o autoenclausuramento do personagem de Mathieu Amalric no filme “O Escafandro e a Borboleta”. “A música era a minha vida”, resume o chorão, consolado.

Cavaco envenenado

Moacyr de Azevedo nasceu na Lapa, em 1925. Mudou-se para Antonina aos seis anos. Ainda criança, construiu uma flauta de bambu nas folgas do trabalho – ajudava o pai num matadouro. Autodidata completo, começou a praticar instrumentos diversos. Animava bailinhos no litoral. E assim foi. Mudou-se para Curitiba – morava na antiga Vila Tássi –, teve o talento reconhecido e fundou o conjunto Choro e Seresta, que dá canja na Feirinha do Largo da Ordem aos domingos desde 1973. É motivo de tese de mestrado e coleciona súditos. “Seu Moacyr é uma instituição musical. Tem percepção auditiva impressionante. Foi uma verdadeira escola,” atesta o violonista João Egashira, novo diretor da fase popular da Oficina de Música de Curitiba. “Ele envenenava o cavaco para melhorar a sonoridade. Tinha palhetada firme.”

Ao som de chorinho no toca-fitas, Matilde entrega: Moacyr gosta de jogar escopa. É para passar o tempo, que não passa nunca.

O músico desiste do cavaquinho que chega às suas mãos antes do filho Claudinei anunciar que o pai desafina todos os instrumentos antes de guardá-los.

Que é pra não empenar.

Década de 1950: Moacyr de Azevedo ao lado do irmão. A foto foi tirada em frente à pensão em que moravam, na Rua do Rosário, em Curitiba. | Arquivo da família

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Década de 1950: Moacyr de Azevedo ao lado do irmão. A foto foi tirada em frente à pensão em que moravam, na Rua do Rosário, em Curitiba.

Guitarra e sanfona . Ao lado de Zé Pequeno, Moacyr desfilava com “bigodinho de salafrário.” | João Luis Rodrigues

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Guitarra e sanfona . Ao lado de Zé Pequeno, Moacyr desfilava com “bigodinho de salafrário.”

Show no Boneca do Iguaçu, restaurante dançante que marcou época entre 1951 e 1964. | João Luis Rodrigues

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Show no Boneca do Iguaçu, restaurante dançante que marcou época entre 1951 e 1964.

Moacyr de Azevedo em meio à orquestra de Edílio Galetto. Final da década de 1950. | João Luis Rodrigues

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Moacyr de Azevedo em meio à orquestra de Edílio Galetto. Final da década de 1950.

Voz e violão: Moacyr aguarda para se apresentar na rádio Guairacá, onde conheceria a futura esposa Matilde. | João Luis Rodrigues

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Voz e violão: Moacyr aguarda para se apresentar na rádio Guairacá, onde conheceria a futura esposa Matilde.

Boneca do Iguaçu em noite de festa. Moacyr na guitarra. | João Luis Rodrigues

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Boneca do Iguaçu em noite de festa. Moacyr na guitarra.

Restaurante na entrada de São José dos PInhais era reduto oficial de políticos, boêmios e artistas. | João Luis Rodrigues

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Restaurante na entrada de São José dos PInhais era reduto oficial de políticos, boêmios e artistas.

Moacyr de Azevedo em Antonina, provavelmente na década de 1940. | Arquivo da família

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Moacyr de Azevedo em Antonina, provavelmente na década de 1940.

Da esquerda para a direita: Gerson Chiuratto (violão 7 cordas), Moacyr de Azevedo (cavaquinho), Edmundo do Pandeiro, Walter Scheibel (bandolim) e Glay Bastos Pequeno (saxofone). | João Luis Rodrigues

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Da esquerda para a direita: Gerson Chiuratto (violão 7 cordas), Moacyr de Azevedo (cavaquinho), Edmundo do Pandeiro, Walter Scheibel (bandolim) e Glay Bastos Pequeno (saxofone).

Grupo de Moacyr toca fado em antiga cantina portuguesa no Centro de Curitiba, início da década de 1990. | João Luis Rodrigues

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Grupo de Moacyr toca fado em antiga cantina portuguesa no Centro de Curitiba, início da década de 1990.

Moacyr, Nilo Preto, Glay Bastos Pequeno e João Luis Rodrigues: chorinho para Cássio Taniguchi (prefeito de Curitiba em 1997) no Memorial da cidade. | João Luis Rodrigues

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Moacyr, Nilo Preto, Glay Bastos Pequeno e João Luis Rodrigues: chorinho para Cássio Taniguchi (prefeito de Curitiba em 1997) no Memorial da cidade.

Grupo Choro e Seresta em apresentação na Praça Osório, em Curitiba, em 2002. Moacyr é o quarto da esquerda para a direita. | João Luis Rodrigues

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Grupo Choro e Seresta em apresentação na Praça Osório, em Curitiba, em 2002. Moacyr é o quarto da esquerda para a direita.

Lançamento do primeiro CD do conjunto Choro e Seresta, no Largo da Ordem, em 1999. | João Luis Rodrigues

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Lançamento do primeiro CD do conjunto Choro e Seresta, no Largo da Ordem, em 1999.

Moacyr em foto do dia 1.º de setembro de 2015, ao lado da esposa Matilde. Conheceram-se no auditório da Rádio PRB-2. | Pedro Serapio/Gazeta do Povo

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Moacyr em foto do dia 1.º de setembro de 2015, ao lado da esposa Matilde. Conheceram-se no auditório da Rádio PRB-2.

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