
Quando o escritor Stephen King tinha quatro anos, ele saiu para brincar com um vizinho nas proximidades de uma linha de trem. Quando voltou para casa, estava branco. Seu amigo havia sido atropelado por uma locomotiva e se tornou pedaços de um corpo estendidos pelo trilho. Esse fato na biografia do autor já foi usado para tentar explicar suas obsessões literárias, marcadas pela presença de criaturas sobrenaturais, mortes e pela escuridão que existe na alma humana.
O mais curioso é que King, o homem que desde o fim dos anos 1970 é tido como o mestre do horror na literatura e no cinema, nem ao menos se recorda da história. Muito menos acredita que ela seja a origem das mais de 70 obras que escreveu. "O trabalho de um escritor é fruto da vontade de sua própria consciência", defendeu ele certa vez.
O autor norte-americano se tornou uma referência no cânone do horror. Aos 66 anos, pode se orgulhar de ser um dos nomes mais prolixos de sua geração e o mais importante escritor vivo a atuar no gênero, ocupando lugar de destaque no petit comité formado por Mary Shelley, Bram Stoker, H. P. Lovecraft e Edgar Allan Poe, entre outros.
Hoje, sua obra está no coração de Hollywood. Seu nome funciona como uma marca de qualidade, que vai acima dos títulos dos filmes que adaptam seus livros. Multimidiático, King também está no mundo digital, nos quadrinhos e na televisão.
Lisa Rodak, autora da biografia Stephen King, Coração Assombrado (Darkside Books, 2013), afirma que essa influente obra reflete os pesadelos do escritor. Em mais de uma ocasião, ele afirmou que tira suas ideias de sonhos e delírios que, por meio das palavras, ganham fôlego e se transformam em narrativas.
Mais estranho do que a natureza da produção do escritor é a obsessão dos fãs por suas obras. Desde o lançamento de Carrie, em 1974, quando King ainda tinha 27 anos, o escritor consolidou um público fiel, que se alimenta das mortes, monstros e transgressões criadas pelo autor. "Escrevo para pessoas que reduzem a velocidade do carro quando passam por um acidente. No fundo, o que todos querem é ver se há mortos", justifica-se no prefácio do livro de contos Sombras da Noite.
Para o crítico literário Noel Carroll, autor do livro A Filosofia do Horror ou Paradoxos do Coração (Papirus, 1999), obras como as de King atraem leitores por permitir experimentações. Na prática, um filme como Colheita Maldita (1984) é como um pulo de bungee jumping, que buscamos para ter a sensação de cair, sem precisar enfrentar as consequências de não estar atados a uma corda.
"O ser humano também gosta de transgressões, que ultrapassam os limites do real. Isso provoca uma identificação com sentimentos que, muitas vezes, não são racionalmente explicados", complementa Thereza Cristina Lima, professora do curso de Letras do Centro Universitário Uninter.
Sucesso
King nasceu em Portland, no Maine (cenário da maioria de suas obras). Durante a infância, leu avidamente histórias em quadrinhos e livros de horror e se tornou um profundo admirador de cinema, embora sempre tenha tido predileção por filmes B. Desde o colegial, explorava o medo em contos, que publicava de graça em revistas de literatura.
Formado em Estudos Literários, o escritor passou por maus bocados no início de sua vida adulta, quando morou em um trailer e teve dois empregos para pagar as contas da família. Carrie, seu primeiro livro publicado, foi salvo da lixeira antes de ser enviado a uma editora.
A boa recepção da publicação nas livrarias garantiu uma adaptação ao cinema em 1977, pelas mãos do diretor Brian De Palma. A estreia do filme fez com que, do dia para a noite, King se tornasse uma celebridade.
Durante a década de 80, viu suas obras serem adaptadas por diretores como Stanley Kubrick (O Iluminado, de 1980), John Carpenter (Christine, O Carro Assassino, de 1983) e David Cronenberg (A Hora da Zona Morta, de 1983). Na época, chegou a fazer participações em comerciais de cartão de crédito e gravou pontas em alguns filmes.
Sua paixão, no entanto, sempre foram as palavras. Há quatro décadas, ele mantém a rotina de escrever ao menos três horas por dia. O que lhe rende, às vezes, mais de uma obra por ano. A mais recente é Doctor Sleep, lançada este mês nos Estados Unidos e que retoma o universo de O Iluminado.
Uma das maiores características de sua extensa obra é o ritmo que imprime em seus livros. "Qualquer um consegue terminar seus tratados de mil páginas rapidamente", lembra Duda Falcão, escritor gaúcho de horror, que lançou a obra Mausoléu este mês em Porto Alegre.
Avesso à literatura erudita, King apresenta uma linguagem de fácil acesso. Não por acaso, seus livros figuram entre os mais vendidos logo depois de lançados. O fato de suas histórias estarem espalhadas em diversos produtos só o deixa mais próximo do público que, por muito tempo, vão ser assombrados pelos pesadelos e delírios do escritor.







