
Subjetivos, passionais, os escritos de Caio Fernando Abreu eram consumidos com prazer pelos atores Pablito Kucarz e Uyara Torrente na privacidade da leitura solitária. Levá-los ao palco seria, para esses jovens artistas de teatro, um passo natural. Há dois anos e meio, os dois fundadores do grupo Teatro de Breque começaram então a conceber as ideias que dariam forma à peça Chiclete&Som, uma colagem de contos e artigos para jornal do autor gaúcho morto em 1996, sobre o amor. A montagem, ganhadora do prêmio Myriam Muniz, estreia hoje, às 20 horas, no TUC.
Ao mesmo tempo que parecia uma escolha óbvia, a opção pelo universo de Abreu implicava um desafio. Seria preciso vencer a pessoalidade da literatura do escritor. "É um texto que diz coisas tão significativas para nós, mas como sair do nosso quartinho onde ficamos isolados do mundo e fazer isso virar cena e conversar com o público?", pergunta-se Kucarz, integrante também da Pausa Companhia. Apostaram na força sedutora das histórias, sem fazer concessões estéticas em troca.
"Sem Ana, Blues" é o conto mais presente em Chiclete&Som ainda assim, em trechos. "Os Dragões Não Conhecem o Paraíso" e "À Beira do Mar Aberto" também aparecem. A produção dos anos 80, "mais dark", é a mais marcante em cena, segundo a diretora convidada, Nina Rosa Sá (integrante do grupo Teatro de Ruído, que recentemente apresentou Na Verdade Não Era...).
A fase aborda o amor que descamba na violência física e verbal, no terrorismo psicológico. São efeitos da dificuldade de comunicação entre os amantes. O incomunicável se traduz na dramaturgia. "Temos textos em diferentes línguas, para criar uma barreira real; atores que não conseguem dialogar, um fala mas o outro não está ouvindo; e simplesmente o não entendimento total, até chegar na violência", diz a diretora.
"Tudo o que a gente lê do Caio é muito passional e extremista. Ele nunca fica em cima do muro. Quando é romântico, vai para o brega e o melodrama. Nunca é bege: ou roxo ou vermelho. A gente chega a uma violência, mas também a uma paixão, que é fruto disso", diz Kucarz.
O exagero nas cores os levou a não se satisfazer com um "teatro plástico e bonito". "Caio fala que, se você quer produzir arte, aquilo tem que sangrar dentro de você. Cutucar até que se transforme em material artístico. Se ficar na superfície, fica raso. A gente se cutucou, se provocou, tentou sangrar um pouco para levar isso para a cena", conta o ator, que fundou com Uyara o Teatro de Breque, estreando com a peça curta O Beijo, no Coletivo de Pequenos Conteúdos.
A atmosfera dramática sugerida pelo tema se dispersa em elementos visuais trash e no humor patético, propositadamente calculados pelo grupo para se opor à seriedade de um amor exacerbado e destruidor. "O patético evidencia uma faceta muito desnuda de uma pessoa, é a realidade palpável que a gente às vezes tenta esconder. É triste, mas não se consegue deixar de rir", justifica Kucarz.
Serviço
Chiclete&Som. TUC Teatro Universitário de Curitiba (Gal. Julio Moreira Largo da Ordem), (41) 3321-3312. Direção de Nina Rosa Sá. Com Uyara Torrente, Rúbia Romani, Paulo Vinícius e Pablito Kucarz. Quarta a sexta-feira, às 20 horas. Quinta e sexta-feira, ingressos a R$ 10 e R$ 5 (meia). Às quartas-feiras, R$ 3. Classificação indicativa: 14 anos. Até 27 de novembro.




