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O pesadelo está de volta. E o truque de marketing também. Uma edição comemorativa do filme "The wall", de Alan Parker, tradução para o cinema da angustiada sinfonia lançada pelo Pink Floyd em 1979, ganha uma nova edição brasileira com imagem e som remasterizados e muitos extras. A edição não é propriamente brasileira, porque está codificada para a região um, Estados Unidos, e não rodará em boa parte dos DVDs nacionais, da região 4. Além disso, não há legendas em português, apenas em espanhol, francês e inglês. Quem passar por cima de tudo isso verá a melhor transcrição para o cinema de um álbum de rock, muito melhor do que fizeram com "Tommy" (The Who) e "Sgt Pepper's Lonely Hearts Club Band" (Beatles).

- É a história de uma estrela do rock saturada de fazer shows, beber, se drogar, trancado sozinho num quarto de hotel, se desintegrando. Ele sofre por seu casamento fracassado, lembra com dor a morte do pai na Segunda Guerra, pensa no medo de enlouquecer, de se alienar. Vai se fechando nos muros que construímos à nossa volta e nos muros que a sociedade constrói ao nos alienarmos uns dos outros. Tudo isso culmina em insuportável pesadelo que desemboca no julgamento de sua vida para explodir o muro - explica o diretor Alan Parker num dos três documentários do DVD, um deles da época e dois recentes para esta edição comemorativa de 25 anos.

Na verdade, o filme tem 23 anos, é de 1982 e o disco, 26 anos, é de 1979. De qualquer maneira é um item irresistível de colecionador, embrulhado numa embalagem que recria o muro da capa do álbum, em alto relevo, com um envelope transparente onde está pichado o título e o nome da banda.

"The wall" foi lançado como um álbum duplo que chegou à marca de 23 milhões de cópias vendidas nos Estados Unidos. E teve uma seqüência, "The last cut" (1983), que fez jus ao nome. Waters deixou a banda após seu lançamento, iniciando uma separação interrompida apenas para o recente concerto beneficente "Live 8", quando houve uma breve reunião de Waters com David Gilmour (guitarra), Rick Wright (teclados) e Nick Mason (bateria). Sem maiores conseqüências, ao que parece.

"The wall", o filme, tem uma riqueza muito grande de imagens, uma narração fragmentada, alternando imagens reais com animações magníficas de Gerald Scarfe, tudo conduzido pela música do Pink Floyd, que substitui os diálogos. Toda a geração de rockers ingleses dos anos 60 e 70 é egressa de um mundo devastado pela disputa da hegemonia européia entre as potências do continente. Este sentimento de falência da velha ordem está na raiz da revolução das duas décadas que mudaram o mundo.

"The wall" mostra a morte do pai do menino Pink Floyd (Roger Waters) na guerra, sua criação sob uma mãe possessiva que lhe incutia medos, plantando a semente do isolamento que culminaria com a loucura na idade adulta, já como um rockstar. Menino, ele é ridicularizado na escola por um professor que flagra uma de suas primeiras letras, fazendo-o passar vergonha diante da classe e colocando mais tijolos no muro. É a parte mais conhecida do filme pelo sucesso "Another brick in the wall pt. 2", com os alunos quebrando a escola e se vingando de "professores que descarregavam sua frustração em cima dos alunos de todas as maneiras possíveis," como diz a letra.

Parker joga as imagens de juventude com as da vida adulta e insere as animações para mostrar o pavor da guerra e as alucinações. Há momentos primorosos como as esquadrilhas de bombardeiros transformados em cruzes, com os magníficos versos "você alguma vez já se perguntou porque tivemos que correr para o esconderijo quando a promessa de um admirável mundo novo se desdobrou diante dos nossos olhos?".

Outro trecho famoso é o da cópula das flores, culminando com a feminina devorando a masculina e transformando-se na enorme águia destruidora, símbolo da Alemanha nazista, nas palavras de Scarfe. Parker elogia Scarfe, dizendo que ele tem uma "mente estranha e maravilhosa" e uma "qualidade psicopata que explora incômodos corredores escuros" da nossa psiquê.

Realmente, para quem não é muito certo da cabeça, o filme é um prato cheio. As alucinações de Pink são arrepiantes, mesmo em animação, além de piscinas com água transformada em sangue e a hora em que ele raspa os pelos do corpo se cortando todo.

Roger Waters diz nos extras que aquilo faz parte da história do primeiro guitarrista da banda, Syd Barrett, pirado de ácido. A música ficou mais poderosa com a remixagem e remasterização, distribuída em 5.1, jogando o espectador no meio do pesadelo.

Os três documentários nos extras expõem as entranhas do filme. O making of mostra a construção de cenas, as instruções de Alan para Bob Geldof, o cantor dos Boomtown Rats e salvador da África via Live Aid e Live 8, que se sai muito bem. Alan Parker conseguiu convencer Roger Waters a aceitar Geldof e a deixá-lo cantar, em vez de apenas fazer mímica da gravação original do Pink Floyd. Aliás, "The wall" do filme é diferente do álbum . Foi preciso adequar o original ao filme, cortando aqui, esticando ali, Geldof gravou vários vocais e o maestro Michael Kamen (1948 - 2003) comandou uma orquestra para complementar a magnífica música do Floyd.

"The wall" é cinema-rock da melhor qualidade. Quem tiver DVD que leia região um, verá.

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