
Quem acreditava que o 3D era fogo de palha, fadado a ir para escanteio assim que a tecnologia deixasse de ser novidade e chamariz de público , teve de reconsiderar essa posição desde o ano passado. Filmes como o documentário Pina, do diretor alemão Wim Wenders, e A Invenção de Hugo Cabret, do norte-americano Martin Scorsese, provaram que, nas mãos de criadores inventivos, capazes de identificar na tridimensionalidade um território fértil para experimentações de linguagem, o recurso pode ser bem mais do que mero artifício. E veio para ficar.
Basta uma passada de olhos pela seção de filmes de megastores para notar que a seção de blu-rays em 3D vem gradativamente crescendo (leia mais nesta página). Nas locadoras, começa a ocorrer o mesmo fenômeno. E por uma razão muito simples: pode ser frustrante assistir da forma tradicional a alguns títulos concebidos, em termos estéticos e narrativos, a partir das possibilidades proporcionadas pela tridimensionalidade. É o caso de A Invenção de Hugo Cabret e de As Aventuras de Tintim, de Steven Spielberg, que chegam neste mês às locadoras.
O filme de Scorsese, vencedor de cinco Oscars neste ano (fotografia, efeitos visuais, direção de arte, edição de som e mixagem de som), é, sem exagero, uma obra-prima que faz o uso mais inteligente da tecnologia 3D em Hollywood de que se tem notícia até o momento. Conta a tocante história de Hugo (Asa Butterfield) um garoto inglês que vive na Paris do fim dos anos 1920, início da década de 30. Mais precisamente em uma estação de trem, onde faz o serviço do tio, que vive bêbado: manter em funcionamento os inúmeros relógios do local, numa época de deslumbramento com a tecnologia. Também sobrevive graças a pequenos furtos, sobretudo de comida.
Hugo mantém, em segredo, uma espécie de robô, deixado como herança pelo pai (Jude Law), um relojoeiro morto em um incêndio antes de explicar para que servia a máquina, ou como fazê-la funcionar. E o filho guarda a esperança de que a criatura metálica, quando acionada, de alguma forma torne sua vida menos solitária.
Na mesma estação, o garoto também anda às turras com um certo senhor de idade (Ben Kingsley), dono de uma oficina de brinquedos. Sua afilhada, Isabelle (Chloë Grace Moretz), uma garota inteligente, fascinada por livros, se torna amiga e companheira de aventuras de Hugo é emocionante a sequência em que os dois vão juntos, pela primeira vez, ao cinema, refúgio favorito do garoto e onde ela jamais tinha posto os pés, proibida pelo padrinho.
Adaptação de um livro de Brian Selznick, A Invenção de Hugo Cabret conta a jornada de um menino em busca de amizade, de um lar, e que luta para escapar da marginalidade e da solidão. E é também uma deslumbrante homenagem ao cinema, sobretudo àquele feito pelo diretor francês George Méliès (1861-1938), pioneiro na utilização do invento dos irmãos Lumière para contar histórias fantásticas, já com toques de ficção científica, como o clássico Viagem à Lua (1902).
Tintim
As Aventuras de Tintim venceu o Globo de Ouro de melhor animação, mas nem foi indicado ao Oscar na categoria, por ser considerado um híbrido no intuito de emprestar mais realismo aos personagens e à propria trama, Spielberg combinou a técnica de captura de movimentos digital de atores reais com um acabamento em animação em 3D, o que o desclassificou.
O filme tem como grande mérito e o maior defeito a reverência pela obra do quadrinista Hergé, compartilhada pelo diretor Steven Spielberg e pelo produtor Peter Jackson, que deverá assinar o próximo episódio do que foi pensado para ser uma trilogia.
Neste primeiro filme, o repórter Tintim (dublado na versão original por Jamie Bell, de Billy Elliot) e seu cão Milu tropeçam em uma feira de rua no modelo de um navio antigo que contém um segredo valioso. O aguçado faro do repórter o leva a tentar desvendar o mistério e o coloca na mira de Ivan Ivanovitch Sakharin (dublado por Daniel Craig, o atual James Bond), um vilão diabólico, que suspeita que Tintim roubou pistas para a descoberta de um tesouro valioso, perdido há séculos em um navio chamado Licorne, afundado nas profundezas do mar.
O resultado é visualmente deslumbrante, um marco do gênero, embora o roteiro não seja o ponto forte do filme, concebido com uma obra em 3D e que, em duas dimensões, perde muito de seu impacto visual.




