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Esse é um mundo em que os CDs estão morrendo porque não valem mais por inteiro, um tempo em que é mais divertido fazer playlists no computador de artistas variados e opostos entre si e também um mundo em que as pessoas não têm paciência para prestar atenção a discos longos, "difíceis", porque chegam cansadas do trabalho e de seus problemas diários. Então como uma coletânea de 56 músicas em três discos, de um cantor cuja voz não corresponde ao significado literal de "agradável", pode ter essa força de aparecer, te agarrar e exigir atenção exclusiva, nos dias em que nem mesmos casais têm esse poder?

É que esse cantor se chama Tom Waits, 57 anos completados na última quarta-feira (7), mais de três décadas de carreira, ator nas horas vagas e entre os maiores compositores da música americana ainda vivos.

É um homem que criou seu próprio universo musical, embora tenha conquistado milhões de ouvintes porque as histórias contadas nele são perfeitamente passíveis de compreensão e identificação: são os bares madrugada adentro, a fumaça de cigarro no ar, amores misteriosos, decepções amorosas, pessoas misteriosas, pessoas estranhas, tudo isso contado por uma voz rouca, envelhecida por litros de uísque que nem sempre era 12 anos.

"Eu me preocupo sobre muitas coisas, mas não me preocupo com conquistas, com realizações. Eu me preocupo principalmente se lá no céu haverá nightclubs", disse ele uma vez, resumindo a conversa toda. Tom Waits volta agora com a compilação "Orphans: Brawlers, Bawlers & Bastards" que, como seu próprio criador, é diferente de todo o resto por aí no mercado da música.

Primeiro, porque pouca coisa é conhecida. São 30 músicas inéditas e as 26 já lançadas em trilhas sonoras, tributos e afins não estavam facilmente disponíveis. Terceiro porque coletâneas dessa natureza, vindas de outros artistas, se chamariam "raspo do tacho" e, sob Tom Waits, ganha o nome de obra-prima - essa palavra que só usamos (ou deveríamos usar) de vez em quando.

Atmosferas

Cada disco tem seu nome e atmosfera própria. "Brawlers" é o Tom Waits voltado àquele blues sujo, com guitarras arranhadas, ritmo marcado com palmas e ele cantando com sorriso malandro no canto da boca. "Ain't goin' down to the well", "2:19" e "Lord I've been changed" são belos exemplos do que, para muitos, é a melhor faceta dele. Emocionante é encontrar "Sea of love", um dos clássicos da música romântica americana, se chocando com todas essas características.

Já "Bawlers" traz baladas baixo um clima de bar já passando das 3h da manhã, quando tudo o que se esperava acontecer foi para o espaço e só restar lamentar com o uísque, o melhor amigo do homem nesses momentos, segundo Vinicius de Moraes, o "cachorro engarrafado". "Bastards", como alude o próprio nome, são as músicas experimentais ou faixas dentro do ambiente vaudeville, e mostram Tom Waits sem concessões, correndo o risco de incomodar o ouvinte.

Mas "King Kong", "On the road", "Book of Moses" incomodam mesmo o ouvinte? Ou dão a impressão ao ouvinte de que ele, nos dias em que ninguém parecer ligar para coisas assim, está tendo o privilégio restrito de uma experiência que pode ser a própria trilha sonora de sua vida?

Lembrando Holden Caufield em "O apanhador no campo de centeio", falando sobre os livros que faziam seu sangue ferver, com Tom Waits dá vontade de, ao desligar o som, telefonar para o cara para bater um papo. Ou melhor, para convidar para tomar uma no bar.

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