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Literatura

Tony Bellotto mais pop do que nunca

Com texto ágil e bem-humorado, guitarrista dos Titãs cria personagem tragicômico em seu novo livro

Tony Bellotto enfoca o universo do rock nacional | Caroline Bittenc
Tony Bellotto enfoca o universo do rock nacional (Foto: Caroline Bittenc)
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Teo Zanquis, narrador de No Buraco, não é o alter ego de Tony Bellotto. Guitarrista de uma banda oitentista de um único sucesso, promíscuo, pobretão e saudosista, Zanquis está na praia de Ipanema, com a cabeça enfiada na areia. Está na vala, no "hotel marmota", relembrando sua vida de falso ídolo.

Também autor de Bellini e a Esfinge, Bellini e o Demônio, Bellini e os Espíritos e BR 163, o guitarrista dos Titãs, em prosa rápida, pop e fresca, cria um personagem caricato, um cinquentão que revê suas aventuras e desventuras na época em que era guitarrista da banda Beat-Kamaiurá. O grupo, assim como o músico, nunca foi do primeiro time. Esteve sempre à margem, mas também sempre envolto pela aura que pensamos existir em torno de grandes rockstars: música, sexo e drogas.

O texto ágil revela um personagem no fundo do poço, que vislumbra uma velhice solitária e que rumina suas memórias nebulosas. Enquanto isso, ao mesmo tempo em que ele está com a cabeça enterrada na areia da praia de Ipanema, surgem pessoas distintas que o interpelam, de certa forma interrompendo suas lembranças. Há um, inclusive, defensor de palavras que tenham "u" – muitas delas de cunho sexual – que grita em seu ouvido. Mas Zanquis ouve mal, já que, como sabemos, está com a cabeça debaixo da areia.

O personagem-narrador pode ser um representante de muitos roqueiros decadentes que encostaram suas guitarras por aí. Zanquis lembra de seus discos clássicos em vinil, de Led Zeppelin a Jorge Ben. De suas aventuras sexuais com uma, duas ou três pessoas, não necessariamente do sexo oposto. Aliás, descrições de cenas picantes não faltam. E há muitos detalhes. Lembra também de "Trevas na Luz", o único hit da banda Beat-Kamaiurá. Dos primeiros shows do grupo, da mini turnê, dos quartos de hotéis, e do dia em que foi preso.

Apesar de ser um músico medíocre e frustrado – "se não tiver o que solar, não sole", repete como um mantra a frase de Miles Davis –, Zanquis é um cara sabichão, cheio de referências da cultura pop e de frases de efeito, que também funcionam como autodeboche. Na linha do escritor inglês Nick Hornby – que também é mencionado no livro –, há desde citações de Schopenhauer às demos gravadas pela banda brasiliense Móveis Coloniais de Acaju.

As lembranças começam a ga­­nhar contornos decisivos quando Zanquis conhece uma coreana de 18 anos chamada Lien – ele se sai bem com as mulheres. Decisivo na trama é o irmão da moça, um sujeito misterioso que carrega algo importante em seu pen-drive apelidado de cannoli. O nome remete a um doce siciliano e é uma referência ao filme O Poderoso Chefão, outra das sacadas do músico com a cabeça enfiada na areia.

Parece incrível, mas a partir deste momento, Tony Bellotto começa a discutir a indústria fonográfica. "Não são padres católicos os cantores que vendem mais CDs e DVDs hoje em dia no Brasil?", pergunta Zanquis a Tales Banabek, o "último grande produtor do rock brasileiro" que está, claro, em decadência.

Dotado de humor contundente – a certa altura hilária do livro o narrador finge que morre e em outra abre um parênteses para explicar sistematicamente o que é um hostel –, Tony Bellotto mimetiza, ainda que do avesso, a sua própria história. O desfecho do livro é tão surpreendente quanto a própria obra. GGGG

Serviço: No Buraco. Tony Belotto. Companhia das Letras. 256 páginas. R$ 43. Romance.

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