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Cena de “Bordertown”, de Seth MacFarlane, criador de “Family Guy”. | Divulgação
Cena de “Bordertown”, de Seth MacFarlane, criador de “Family Guy”.| Foto: Divulgação

Bud Buckwald e Ernesto González são vizinhos. Eles moram numa pequena cidade do sul da Califórnia alinhada à fronteira com o México: a Mexifornia. Bud é um insatisfeito agente de fronteira, e Ernesto é um corajoso imigrante mexicano que dirige uma bem-sucedida empresa de paisagismo. Bud observa as mudanças demográficas nos Estados Unidos e não enxerga um lugar para si. Seu sonho americano está se esvaindo, enquanto o de Ernesto vai se tornando realidade.

“É como se o mexicano tivesse se tornado o cara”, gosta de dizer Bud. “E eu me tornei o mexicano.”

As duas famílias constituem a espinha dorsal da comédia “Bordertown”, uma nova série de animação produzida por Seth MacFarlane (de “Family guy”), que estreia neste domingo (3) nos Estados Unidos, pelo canal Fox (ainda sem previsão para estrear no Brasil).

Com uma sátira muitas vezes cruel que aborda racismo, xenofobia, cartéis de drogas, megaigrejas, prefeitos corruptos, o Papa e eventualmente até OVNIs, a série apresenta a cidade de fronteira como um protótipo da nova cidade americana, um laboratório para se pensar sobre o futuro do país.

“Precisamos estar atentos à fronteira”, diz Lalo Alcaraz, um dos roteiristas-chefe da série, que imagina a Mexifornia como uma nova versão da Springfield de “Os Simpsons”.

Filho de imigrantes, Alcaraz cresceu em San Diego, ao norte de Tijuana e de comunidades americanas de fronteira, como San Ysidro e Chula Vista:

“Há muitas histórias aqui que rendem boa televisão. Você tem vários conflitos culturais: americanos e imigrantes, México e EUA, todas as misturas que acompanham a vida corriqueira das fronteiras.

“Bordertown” chega num momento político oportuno e extremamente sensível, em que o debate sobre imigração na corrida presidencial americana tem soltado faíscas. Se eleito, Donald J. Trump prometeu construir um novo e imponente muro na fronteira.

Ele também já tachou os imigrantes mexicanos de criminosos e estupradores e expulsou o âncora da Univision Jorge Ramos de uma entrevista coletiva em agosto. Além disso, no último debate republicano, os temas da imigração e da segurança entre fronteiras alimentaram uma acirrada disputa entre Ted Cruz e Marco Rubio sobre quem teria sido o mais duro – ou o mais relaxado – no policiamento contra imigrantes ilegais.

Não surpreende, portanto, que a fronteira tenha desempenhado um papel de protagonista cultural em 2015. Romances como “The jaguar children”, de John Vaillant, e “The Cartel”, de Don Winslow, foram desenvolvidos a partir das vozes de migrantes presos em carrocerias de caminhão e de chefes de cartel com seus negócios globais sangrentos. Músicas de Alan Jackson (“México, tequila, and me”), The Game (“El chapo”) e Juan Gabriel (“La frontera”, um remake agitado de seu pop clássico dos anos 1980) se juntaram à jukebox de fronteira. O comediante e rapper Chingo Bling, de Houston, até fez uma paródia de “Antidote”, do colega texano Travis Scott.

Como tantos artistas mexicanos e mexicanos-americanos, Chingo Bling inverte a tradicional narrativa de fronteira. As novas histórias enfrentam o sentimento anti-imigrante e lembram ao público que a fronteira é também uma vibrante e próspera região chamada de lar por milhões de pessoas

“A fronteira deve ser redesenhada como um círculo”, diz Pedro Herrera III, o verdadeiro nome de Chingo Bling. “Sua influência está em toda parte.”

A fronteira também é retratada como um mercado cruel para pessoas e drogas, um campo de batalha para o racismo e o medo. Esses temas impulsionaram filmes como “Sicario”, que acompanhou uma agente do FBI numa caça a um cartel através de labirintos morais e túneis subterrâneos na região de El Paso-Juarez, e “Desierto”, sucesso recente em festivais que chegará aos cinemas nos próximos meses.

Dirigido por Jonás Cuarón, que nasceu no México e foi criado nos Estados Unidos, “Desierto” reescreve a jornada do migrante como um filme de terror. Sua história mostra um vigilante americano que persegue mexicanos com uma espingarda e um feroz pastor alemão.

“Quanto mais você aprende sobre as fronteiras, mais entende que elas são a forma incorreta de enxergar o mundo”, diz Cuarón, filho do aclamado diretor Alfonso Cuarón e corroteirista de “Gravidade”. “Os desertos se espalham por todos os lados. Há uma noção arbitrária de que um lugar termina e outro começa.”

Jonás Cuarón é um exemplo de artista mexicano que trabalha nos Estados Unidos e, assim, suas obras são sobre como a América vê os mexicanos, e como os mexicanos veem a América. Para perceber essa mudança de ponto de vista, o lugar ideal é a indústria da música regional mexicana, das canções que retratam e debatem as transformações e lutas da vida do imigrante.

Em novembro, na cerimônia do Premios de la Radio (troféu dado nos EUA aos melhores da música regional mexicana), em Los Angeles, um grupo das maiores estrelas da música norteña respondeu às declarações de Donald Trump: eles se juntaram para uma paródia do vídeo de “Bad blood”, de Taylor Swift, em que o ex-namorado alvo de vingança foi substituído por Trump.

‘A fronteira é o marco zero para esses artistas”, diz Lenard Liberman, o produtor do Premios de la Radio que escreveu a letra para a paródia de “Bad blood”. “É isso que ressoou entre os artistas que participaram do vídeo. Estas são as crianças que vieram para cá ou cujos pais vieram para cá, todos com um sonho. E, em seguida, aprendem que, se você tem um rosto escuro e um sotaque espanhol, é visto como um criminoso. Como isso não vai afetá-lo?”

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