
Sempre que quebra a cara de algum delinquente, o Demolidor tem a certeza de estar prestando um serviço à sociedade.
Advogado durante o dia, Matthew Murdock usa, à noite, seus sentidos apurados e as habilidades em artes marciais, que compensam a cegueira causada por um acidente na infância, quando usa a roupa do “homem sem medo” para combater o crime nas ruas na vizinhança barra-pesada de Hell’s Kitchen, onde cresceu na cidade de Nova Iorque.
Em seus julgamentos de rito sumaríssimo, a execução da pena é instantânea e na base da porrada. Contudo, a violência a que o herói urbano criado pela Marvel na década de 1960 (e reinventado por Frank Miller no final dos anos 1970), se permite o impede de matar seus oponentes, mesmo os mais desprezíveis, que são deixados vivos a mercê das instituições oficiais da Justiça.
Este perfil contraditório do herói urbano, balizado pela ética cristã e jurídica do personagem, foi bastante explorado adaptação da série produzida pela Marvel e ABC para a Netflix em 2015 que agradou os fãs por além do clima sombrio e direção realista, usar referências das histórias escritas por Miller no início dos anos 80 que apostaram mo aspecto mais desagradável da luta contra o crime.
Contudo, se na primeira temporada, o Demolidor (Charlie Cox) questionava um mito fundador da sociedade moderna – o monopólio da violência pelo Estado que em troca deveria prover segurança lei e ordem - na segunda temporada disponível desde a última sexta-feira (18) com o aparecimento o debate muda de perspectiva com o aparecimento de um oponente.
Um dos personagens mais fortes do universo Marvel, Frank Castle, o Justiceiro (Jon Bernthal) é um ex-soldado que após um grande trauma pessoal se dedica a fazer Justiça com as próprias mãos. Desta forma, o vigilante se ergue do mesmo barro do Demolidor – o vácuo do Estado no controle do crime – porém, com métodos muito diferentes. O Justiceiro não apenas mata, mas o faz com crueldade, o que coloca os dois em rota de conflito.
Logo nos primeiros episódios da nova temporada, os dois antagonistas tem um embate de ideias que coloca na mesa temas que passam pela cabeça de todos nós: O que nos impede de fazer justiça com as próprias mãos e qual o limite da retribuição de violência que podemos infligir a quem nos faz sofrer? Como recriminar um homem que prioriza seus próprios interesses e usa os métodos que acredita ideais no cumprimento de seu dever moral?
Debate universal, que ecoa na realidade brasileira onde há um aumento no uso de segurança privada e o justiçamento faz parte de uma tradição social de acordo cientista social José Martins de Souza, autor do livro “Linchamentos – A Justiça Popular no Brasil”. “A predisposição para linchar vem de uma consciência social e do senso comum de que as instituições não funcionam, a polícia demora e a justiça é lenta e complacente”, disse o autor em entrevista à Gazeta do Povo.
Com heróis e anti-heróis humanos envolvidos em dilemas éticos e morais sobre a melhor forma de se fazer justiça, a nova temporada do Demolidor tem o grande mérito de trazer estes questionamentos mundanos usando uma linguagem que honra a mitologia de um dos quadrinhos mais importantes o universo Marvel.



