
O ano é 1993. Steven Spielberg filma na Europa “A Lista de Schindler”, drama sobre o holocausto que o deixou deprimido. Um dos ‘tratamentos’ para distraí-lo do horror que reencenava eram episódios gravados de um certo programa televisivo que ia ao ar na época.
Abril de 2016. Um motorista americano é parado com uma carga de milhares de latas de alumínio que seriam retornadas em Michigan, estado em que cada embalagem vale alguns centavos de dólar, prática para incentivar a reciclagem. Ele teria se baseado em um episódio da mesma série que ajudara Spielberg 23 anos atrás e acabou preso, porque é contravenção levar lixo de outros estados para efetuar a troca.
Conheça 13 curiosidades sobre a série
A história que inspiraria os dois homens é a de “Seinfeld”, exibida originalmente entre 1989 e 1998 e que se mantém no imaginário tanto de velhos quanto de novos públicos. Mas o que seria a receita que mantém fãs recitando falas quase 20 anos após o fim da “série sobre o nada”?
“A série ainda é onipresente e isso é um testamento para sua atemporalidade”, diz a jornalista americana Jennifer Keishin Armstrong em entrevista para a Gazeta do Povo.
Especialista em televisão e cultura pop, Jennifer é autora de “Seinfeldia – How a Show About Nothing Changed Everything” (ainda sem versão em português), best-seller lançado este ano em que ela destrincha o universo dos personagens Jerry, George, Elaine e Kramer, amigos numa Nova York pré 11 de setembro que parece ser o quintal de suas atitudes nem sempre admiráveis. Entrevistou roteiristas, produtores e fãs, que se amontoam em eventos que reproduzem jogos de beisebol como os do programa e em games intensos de perguntas e respostas como se o tempo estivesse congelado nos anos 1990.
“Há um fator de nostalgia, mas eu não acho que essa seja a razão principal para as pessoas voltarem a assistir de novo e de novo. Elas ainda citam os diálogos no cotidiano porque isso ainda parece relevante”, aposta ela. Embora não tenha números, ela diz que suas entrevistas mostraram que “filhos e netos de fãs” estão descobrindo a série por causa das reprises e do Hulu (serviço de streaming ainda não disponível no Brasil). “No último verão inteiro ouvi meus vizinhos universitários assistindo à série no streaming”, exemplifica.
Sem sentimentalismo
Até 1989, as séries de comédia seguiam a receita de enredo A + enredo B, repletos de piadas, risadas da plateia e uma moral da história.
E a primeira coisa que Larry David, amigo de longa data de Jerry Seinfeld e co-roteirista da história instituiu foi a política do “no hugging, no learning” (algo como sem abraços e sem aprendizado), o que significava que a série deveria evitar sentimentalismo e lições de moral e os personagens não amadurecer a partir de seus erros.
“Seinfeld” foi contra tudo o que já estava estabelecido: propôs até quatro enredos por episódio, um para cada personagem, incluía alusões à alta literatura e homenagens a Samuel Beckett e Sartre e falava da vida cotidiana, o que aumentava a identificação com o público.
Também foi filmado em locações e usava técnicas de iluminação e câmera que eram mais como filme e menos como uma sitcom. Mas a principal novidade eram os personagens: Jerry, George, Elaine e Kramer não eram nada admiráveis. “Mostrou que as sitcoms poderiam ser inteligentes, afiadas e obscuras e que o público os adotaria de qualquer maneira”, resume Jennifer.



