Hermison Nogueira, de 37 anos, caminha até a porta de entrada de um ônibus, fura a fila e diante de mais de 20 pessoas fala sobre Curitiba, Mozart e mudanças climáticas. "Mas o que está acontecendo?", pergunta uma mulher, de no máximo 30 anos, que pretende entrar no ônibus que deve seguir rumo a Colombo, na região metropolitana de Curitiba. Segundos depois, Fernanda Fuchs e Heidy Kanasiro, ambas de 19 anos, também começam a interagir com as pessoas que estão na fila.Nogueira, Fernanda e Heidy são atores, participam de um grupo de pesquisa de teatro ainda sem nome, e desde 2007 realizam performances nas ruas de Curitiba. Há um ano, todas às segundas e sextas-feiras, das 10 horas ao meio-dia, eles estão no Terminal Guadalupe. Nessa semana, excepcionalmente, também fizeram uma intervenção na manhã da última terça-feira (22).
O auxiliar administrativo Henrique Magalhães, 19, praticamente hipnotizado diante da atuação do trio, disse: "Isso chama olhares". A frase, mesmo breve, define o efeito da atuação desses três atores que têm a finalidade de se expor ao acaso para pesquisar as reações das pessoas diante de inusitadas situações cênicas.
Já receberam acenos e afagos, alface e brigadeiro. Mas também escutam, todas as semanas, desaforos, palavras de baixo calão e quase foram agredidos fisicamente. O nariz de palhaço, vermelho, sinaliza que os três não são meros transeuntes. Às vezes, eles também entram em cena de cara limpa.
Nogueira é professor de Teatro no Colégio Estadual do Paraná, onde desenvolve propostas não-convencionais com o grupo Gruta. Mas essa opção pelas performances nas ruas surgiu a partir de uma interlocução com o Núcleo Interdisciplinar de Pesquisas Teatrais da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Depois que conheceu as propostas vanguardistas de Jerzy Grotowski, Eugenio Barba e Philip Gaulier, Nogueira começou a ficar interessado apenas em romper limites, buscar novos horizontes dramaturgicamente falando.
"Outro objetivo dessas performances é entender e aprender como é ser palhaço", diz Nogueira. O palhaço, ele já tem noção, não é o bonzinho, nem apenas um personagem que irradia alegria; ao contrário até: o palhaço também é triste. O palhaço, comenta, Fernanda, depende da interação com o outro e o Terminal Guadalupe, então, revela-se um terreno mais do que fértil para o aprendizado do que pode ser o palhaço. As pessoas, nas filas de ônibus, pensando na conta que vence no dia 30, no almoço a ser feito, muitas vezes tendem a estar compenetradas. Em poucos instantes, diante de atuações inesperadas, sorrisos afloram. "Mas não temos causa. O palhaço não tem causa", afirma Heidy, assim como Fernanda, aluna da Faculdade de Artes do Paraná (FAP).
Depois que saem de cena, os três registram em cadernos as impressões, o que funcionou, as falhas, entre outras anotações. Pretendem transformar esse conhecimento em uma montagem, mas ainda não sabem onde, nem como. Por hora, estão satisfeitos por terem se apropriado do Terminal Guadalupe, que já empresta nome a uma banda, em laboratório e palco. Amanhã, no final da manhã, tem mais. Segunda-feira também.



