
Consta que é a segunda canção mais executada da História, atrás apenas de "Yesterday", dos Beatles. De acordo com a editora do grupo Universal, que administra a comercialização da música, há mais de 1,5 mil produtos (LPs, CDs, DVDs) com ela. É impossível saber ao certo o número de interpretações gravadas, mas deve ultrapassar 500. Na internet, encontram-se versões em finlandês, estoniano e até esperanto. E a inclusão em filmes, programas de tevê, comerciais e jogos eletrônicos não para só neste ano, os herdeiros de Tom Jobim e Vinicius de Moraes aprovaram a utilização na série Mad Men, num filme dos irmãos Coen e em campanhas da Nike e da Calvin Klein, entre outras consultas.
A saga de tamanho sucesso começou em 2 de agosto de 1962 numa casa noturna de 6 x 40 metros, com capacidade para 300 pessoas bem próximas umas das outras, na Avenida Nossa Senhora de Copacabana. O empresário Flávio Ramos inaugurou a boate Au Bon Gourmet, antes um restaurante, com a reunião em cena que jamais se repetiria da tríade principal da bossa nova. Tom, Vinicius e João Gilberto se apresentaram durante 40 noites, em seis semanas, ao lado do grupo Os Cariocas, do baixista Otávio Bailly e do baterista Milton Banana.
Era a primeira vez que o Itamaraty autorizava o diplomata Vinicius a subir num palco, mas ele não podia receber cachê. Para compensar, tinha direito a levar amigos para vê-lo. Cinco grandes canções foram lançadas naquela temporada: "Samba do Avião", "Só Danço Samba", "Samba da Benção", "O Astronauta" e ela, "Garota de Ipanema", cuja letra Vinicius escrevera em Petrópolis para a melodia que Tom compusera em seu apartamento na Rua Barão da Torre.
"A música já fazia sucesso quando era cantada. A gente logo percebeu a força e a beleza dela", recorda Severino Filho, até hoje nos Cariocas, que gravaram a canção logo em 1963, mas depois de Pery Ribeiro, o primeiro a registrá-la, no mesmo ano.
Em seus shows, o quarteto continua apresentando a introdução que Tom e Vinicius criaram à época:
João: "Tom, e se você fizesse agora uma canção que possa nos dizer, contar o que é o amor?"
Tom: "Olha, Joãozinho, eu não saberia sem o Vinicius escrever a poesia."
Vinicius: "Para esta canção se realizar, quem me dera o João para cantar!"
João: "Ah, mas quem sou eu? Melhor se cantássemos os três."
Esse clima intimista seria trocado por uma onda planetária em 1964 e já com atraso. Tom gravou uma versão instrumental de "Garota de Ipanema" em seu primeiro disco americano, The Composer of "Desafinado" Plays, de 1963. E em março desse ano, com Tom ao piano, João, sua mulher Astrud (desconhecida até então) e o saxofonista Stan Getz que vendera 1 milhão de cópias do LP Jazz Samba (1962), só de músicas brasileiras, realizado com o guitarrista Charlie Byrd fizeram para Getz/Gilberto um misto de "Garota de Ipanema" e "The Girl from Ipanema", pois Astrud cantou a letra em inglês do versionista Norman Gimbel.
O produtor Creed Taylor, depois de ficar por muitos meses com os áudios na gaveta, resolveu cortar a voz de João da faixa e lançá-la com menos de três minutos de duração a original tinha mais de cinco. João ficou uma fera, mas a música virou uma febre. O disco ganhou o Grammy em 1964, e "Garota de Ipanema" começou a ser gravada pelos principais cantores americanos. Até que, em 1967, chegou à voz do melhor, Frank Sinatra, que chamou Tom para fazer um disco inteiro com ele.
"Uma garota passando interessa às garotas que passam e aos homens que olham. É uma história antiga", justifica e brinca o violonista Paulo Jobim, acrescentando que o pai gostava muito da composição e não se queixava de sua massificação.
"Garota de Ipanema" se tornou, como se diz, trilha de elevador, de dentista, usada em filmes muitas vezes com objetivo irônico, pois de tão tocada se tornou banal. Mas a sofisticação da criação de Tom é inegável.
"Foi a música perfeita no momento perfeito: a genialidade e a simplicidade elegante do Tom batendo em ouvidos ainda acostumados a sons mais sofisticados, como o cool jazz, que era a música jovem no mundo pré-rock", opina Joyce Moreno, uma das que gravaram a canção. "A estrutura da música é no formato tradicional AA-B-A, ou seja, duas primeiras partes, uma segunda e a volta à primeira com outra letra. Simples assim. Ou não. O A é falsamente simplíssimo, o B é cheio de desenhos melódicos, mas o encaixe é perfeito. Só parece simples."
"O Tom já era um compositor maduro e com uma bela bagagem", destaca o violonista e arranjador Mario Adnet, com vários trabalhos baseados em Tom. "Imagino que a primeira parte tenha vindo fácil, como uma bênção, bem espontânea. Já a segunda [a B] deve ter dado um certo trabalho. É claro o uso de recursos teóricos de composição, modulando uma mesma frase duas vezes pra concluir a ideia e fazer com que também soasse redondo."
De Stevie Wonder (no mais recente Rock in Rio) a Mike Tyson (no Caldeirão do Huck), de Amy Winehouse (em seu CD póstumo) a Xuxa (gravou este ano com Daniel Jobim, neto de Tom, ao piano), a "Garota" continua sendo cantada por todo o mundo.



