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Caetano Veloso e Maria Gadú: duas gerações de uma mesma MPB que se perpetua pela repetição estética | Marcos Hermes/Divulgação
Caetano Veloso e Maria Gadú: duas gerações de uma mesma MPB que se perpetua pela repetição estética| Foto: Marcos Hermes/Divulgação

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  • Chico Buarque , um dos fundadores da chamada MPB
  • A cantora Marisa Monte acompanhada de Arnaldo Antunes: ela, mais conformada aos padrões, enquanto seu parceiro investe mais na inovação

A geografia da música no Brasil é complexa, acidentada. Nela, encontramos as mais diversas paisagens: picos, vales, pântanos e planícies. Há literalmente de tudo um pouco. E organizar o que se produz em um país tão vasto, com dimensões continentais, é sempre tarefa árdua e fadada à polêmica, à divergência.

Nesse cenário tão marcado pela diversidade, onde se torna cada vez mais difícil estabelecer fronteiras nítidas entre o que é considerado pop e o que é de fato popular, há que se dedicar uma reflexão mais aprofundada a respeito de um território, também de contornos borrados, chamado MPB. Uma área que, ao longo dos anos, ganhou certa aura de superioridade e elitismo hoje questionada.

En entrevista concedida, em agosto de 2008, ao escritor e rapper Ferréz, no programa Manos e Minas, o crítico paranaense Pedro Alexandre Sanches, que escreveu para a Folha de S. Paulo e atualmente colabora com a revista Bravo!, sentenciou: "A MPB é um condomínio fechado, blindado, com uma pessoa muito amedrontada e escondida lá dentro. É uma turma universitária dos anos 1960, que catou uma sigla, e aí é só eles".

Partindo dessa visão, compartilhada por muitos detratores da chamada MPB, o G Ideias decidiu provocar uma discussão sobre o gênero. Ainda segundo Sanches, a MPB teria se apropriado do adjetivo "popular". Ele pertenceria, de direito, a figuras como os cantores classificados de "brega" Agnaldo Timóteo e Odair José, mas passou a designar um universo de expressão musical bastante específico.

História e contradição

Para o professor de Literatura da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Marcelo Sandmann, também poeta e compositor, a sigla MPB "surgiu na década de 1960 para designar a música feita por e para um segmento social específico: os jovens de classe média, em grande medida ligados ao meio universitário, politizados e interessados em afirmar o caráter nacional da cultura brasileira". De acordo com ele, a MPB, cujo momento áureo ocorreu nos Festivais da Canção televisados nas décadas de 1960 e 1970, é uma tendência que se desenvolveu a partir da bossa nova, e que acabou por absorvê-la. "[A MPB] fez uso de um discurso político mais crítico e participativo e ampliou o leque de gêneros e ritmos de extração popular a serem utilizados."

Mas já em sua gênese, ou no "dia seguinte" de seu nascimento, a MPB apresentou sinais contraditórios intrínsecos. "O tropicalismo afirmou-se justamente na exploração dessas contradições. O que não impediu que mesmo assim, da década de 1970 para cá, artistas como Caetano Veloso e Gilberto Gil fossem classificados sob o rótulo MPB, assim como Chico Buarque, Edu Lobo e tantos outros", afirma Sandmann. De acordo com ele, os efeitos da sigla extrapolaram. "Ela passou a abrigar outros artistas, de outros tempos e espaços: Noel Rosa, Pixinguinha, Luiz Gonzaga, Cartola etc."

Estagnação

Mas e hoje, no Brasil do século 21, o rótulo MPB ainda faz sentido? O tal "condomínio fechado" segue existindo? Para o músico e pesquisador Ulisses Galetto, há 18 anos integrante do Grupo Fato, a sigla e o que ela representa persistem, administrados por parte da crítica e por alguns de seus próprios "moradores". Seu grande demérito está na limitada capacidade de se renovar, de absorver o que está acontecendo de novo no riquíssimo cenário musical brasileiro.

Galetto diz que aquilo que tende a ser absorvido, aceito pela chamada MPB, traz pouco de renovação ou que desafie fórmulas exisentes há pelo menos 40 anos. Como exemplo, ele cita a cantora Maria Gadú, que seria uma artista derivativa, replicadora de estilos testados e aprovados. O contrário estaria em nomes como Arnaldo Antunes ou o ainda obscuro baiano Marco Balena, que buscam expandir fronteiras criativas.

"A Marisa Monte, quando apareceu, era mais interessante, depois se conformou aos padrões", cita Galetto, também não poupando artistas que admira muito, como a cantora Mônica Salmaso. Segundo o músico, ela já inovou no passado, mas segue muito conservadora em suas escolhas, fincando seus pés no tal condomínio.

Para Sandmann, o rótulo MPB, que "já era problemático lá atrás", continua a ser o que foi quando surgiu: mero índice de classificação. "Ao entrar numa loja de CDs, ou ao abrir o site de uma loja de discos ou de uma livraria on-line que também venda CDs, encontramos a designação MPB ao lado de outras, como axé, samba, pagode, sertanejo, rock, jazz, clássicos etc. Ela orienta o público consumidor, antes de mais nada."

O professor da UFPR também recorre a Mônica Salmaso para exemplificar. "Sabemos que o CD da Mônica Salmaso estará na estante de MPB, ao passo que o de Chitãozinho e Xororó estará na estante do sertanejo, e o do Zeca Pagodinho, na de samba ou de pagode. Mônica pode cantar sambas em seu CD, ou mesmo uma ‘clássica’ canção sertaneja (como costuma fazer), mas alguma coisa impede que seu CD venha parar no sertanejo ou no pagode."

Talvez porque, como Galetto aponta, Mônica tenha sido aprovada como moradora do restrito universo da MPB, que ainda guarda um forte apelo de classe. "Agora cada vez menos de classe ‘social’, e mais de classe ‘cultural’, reforçando ideias como ‘sofisticação’, ‘bom gosto’, ‘refinamento’, ‘qualidade’ às quais vêm se associar", afirma Sandmann. E arremata: "O irônico é pensar que, com o grande trânsito social no Brasil nos últimos anos, muitos daqueles que hoje estão literalmente nos ‘condomínios fechados’ ouvem axé, sertanejo e pagode, ao passo que a MPB está relegada a um lugar periférico".

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