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Um diletante convicto

Liber Paz dá aulas para viver, mas o que gosta mesmo é de criar desenhos e histórias em quadrinhos. O que faz, mas só quando sobra tempo

A estante de comic books e graphic novels de Liber Paz: organização diligente para um de seus hobbies favoritos depois de desenhar | Ivonaldo Alexandre/Gazeta do Povo
A estante de comic books e graphic novels de Liber Paz: organização diligente para um de seus hobbies favoritos depois de desenhar (Foto: Ivonaldo Alexandre/Gazeta do Povo)

Como todo consumidor de livros, Liber Eugenio Paz, ou apenas Liber, é orgulhoso de sua estante. "Em cima ficam os didáticos, embaixo deles os em preto-e-branco, depois os da Marvel, aqui do lado os da DC Comics, embaixo destes os nacionais e aqui ficam os meus favoritos", explica com a mesma calma e diligência com que organiza seu acervo invejável de comic books e graphic novels, apontando por último para uma fileira de títulos do quadrinista inglês Neil Gaiman.

Como todo consumidor de histórias em quadrinhos, porém, há uma parte de sua vida – ou de seu acervo – que simplesmente não consegue organizar. E ele exibe também, para mostrar que não foge à regra, num cantinho embaixo da estante da televisão, uma pilha caótica de gibis velhos, papéis avulsos e páginas encadernadas que se esparrama sobre si própria. "Algum dia arrumo isso também", diz convicto, mas sem dar ares de muita importância ao assunto. Liber é consciente de sua realidade e não se ilude criando problemas que não existem.

É entre a estante de livros e a pilha de quadrinhos que reside, em seu pequeno apartamento, o equivalente ao espaço com mesa de sinuca e churrasqueira, a que os pais de família costumam se referir por "o recanto do guerreiro": uma prancheta de desenho, canetas, nanquim, um copo repleto de pincéis, uma lâmpada potente e muitos papéis desenhados. É ali que Liber cria seus próprios quadrinhos, quando não está dando aula de ilustração, animação ou audiovisual na Universidade Tecnológica do Paraná, ou corrigindo material dos alunos – professores não trabalham apenas dentro da sala de aula, afinal.

Liber se assume diletante: só faz o que quer, quando quer. Não tem maiores aspirações nesse sentido, sabe que a vida de quadrinista profissional, para ele, rende frutos amargos, e por experiência própria. Montou uma sociedade com os amigos, os artistas José Aguiar e Luciano Lagares, quando terminou a faculdade de Desenho Industrial na Universidade Federal do Paraná, o Estúdio Open The Door. Deixou a empresa depois de um ano, saturado pela ideia de aceitar trabalhos que não gostaria de fazer.

Assim, dedica-se aos quadrinhos com calma. Pode demorar três meses entre fazer uma página e outra, ou pode fazer uma história muda, com apenas duas páginas. A produção, embora rala – ou talvez por isso mesmo –, escoa sempre. Liber foi o único artista brasileiro a participar da última edição da revista paulistana Café Espacial, vencedora de alguns prêmios HQ Mix, a maior premiação nacional para quadrinistas. Ele mesmo já ganhou um troféu, em 2009, por sua tese de mestrado, uma grande análise da obra do escritor e quadrinista Lourenço Mutarelli, autor de O Dobro de Cinco, O Cheiro do Ralo e Transubstanciação, entre outros.

Apesar de fazer sua carreira como professor, gosta mesmo é de estar cercado por graphic novels e desenhos. Comparece a todos os eventos, lançamentos e palestras da Itiban Comic Shop, na Avenida Silva Jardim, que abastece sua vaidosa estante com livros importados e nacionais. De um desses eventos, surgiu a oportunidade de participar da Café Espacial. "Fui a um lançamento da oitava edição e conheci a Lídia Basoli e o Sérgio Chaves, editores da revista. Bebemos e conversamos a noite toda, e tempos depois, ofereci uma história que havia feito e publicado uma parte no meu blog e eles toparam publicar", lembra.

Convites surgem a toda hora: para desenhar reportagens, roteiros alheios e bolar histórias para quadrinhos. Liber aceita alguns, e não hesita em recusar qualquer trabalho. Procura manter suas atividades artísticas apenas na esfera do entretenimento. "Eu deveria ter desistido de desenhar há muito tempo, porque não valia a pena e tudo indicava que eu deveria parar, mas eu continuei", assume resignado os frutos do favor que fez a si mesmo quando, ao contrário das outras crianças, não trocou o lápis de cor por outros brinquedos e, posteriormente, não abandonou o bico de pena e o nanquim em função do rodo cotidiano que arrasta qualquer criatividade para o buraco negro do trabalho mecânico. "Dei sorte de conseguir ser professor de uma área que eu gosto. Começou como um trabalho temporário, mas me apaixonei pela sala de aula".

Com o ofício do magistério e o hobby da nona arte em seu tempo livre, sobra pouco tempo para outras coisas. Não pode se queixar, porém, de ter uma vida reclusa. Sai com os amigos pelo menos três vezes na semana, e só não o faz mais vezes porque dá aulas pela manhã. Mas o que deseja mesmo é constituir uma família. Esposa e filhos ainda não se esboçaram na vida do simpático professor e artista. "Ainda não surgiu a oportunidade", diz, olhando para longe.

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