
Uma casa modernista vermelha e branca, que pode até passar batida ou parecer estranha aos olhos de quem caminha pela Rua da Paz, perto do Mercado Municipal, é um dos legados deixados em Curitiba pelo arquiteto João Batista Vilanova Artigas (1915-1985). Ele não é paulista, ao contrário do que muitos pensam e se propaga. Nasceu na capital paranaense, de onde saiu aos 17 anos para estudar arquitetura na Escola Politécnica, em São Paulo. Responsável por projetos que são ícones no país, como o Estádio Morumbi (veja mais exemplos na página 3), Artigas é um dos arquitetos mais cultuados e estudados no meio acadêmico, mas nunca foi um ícone pop como Oscar Niemeyer (1907-2012), algo que se explica pela sua arquitetura singela. Quem conhece ou não sua obra poderá ver desenhos originais à mão livre de alguns de seus projetos na exposição Caligrafias, que será inaugurada na próxima terça-feira, 23, em Curitiba.
Essa deve ser, aliás, uma das últimas chances para apreciar os "redesenhos", que são versões mais simplificadas dos esboços de seus projetos (utilizados por Artigas para lecionar). Os 68 manuscritos devem integrar, em breve, o acervo e uma mostra permanente sobre arquitetos latino-americanos do Centro Georges Pompidou, em Paris.
A coleção, um dos poucos materiais que estavam com a família (o restante integra o acervo da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, prédio criado por Artigas em 1961 e inaugurado em 1969), está em negociação para doação ao Pompidou, que procurou a filha do arquiteto, Rosa Artigas. "O processo está encaminhado e passará por um comitê de avaliação do museu até o fim do mês. Chegamos na porta de entrada, só falta o porteiro abrir", explica Rosa, aos risos. A opção por doar grande parte da obra do pai, diz a filha, segue o espírito do arquiteto, que acreditava no acesso público.
Filiado ao Partido Comunista em 1945, algo que influenciou fortemente seu trabalho, Artigas fez desde obras grandiosas até escolas públicas no ABC Paulista, hospitais e casas particulares. Ele também foi o responsável por "esparramar" o ensino da arquitetura pelo país, porque muitos alunos da Fau-USP acabaram indo para outros estados fundar cursos de arquitetura. "Seus fundamentos vão para as escolas até hoje, e por isso as suas obras continuam tão atuais. Veja essa casa. Ninguém diz que é de 1949", fala a arquiteta Giceli Portela, que comprou a casa "esquisita" projetada por Artigas para o médico João Luiz Bettega, tombada pelo patrimônio histórico em 2003 e uma das poucas obras deixadas por ele na cidade.
O local abriga, além do escritório de Giceli, uma espécie de memorial ao mestre e recebe, ao ano, cerca de 1 mil estudantes de todo o mundo. Outras casas modernistas haviam sido projetadas por Artigas e outros arquitetos em Curitiba, mas foram derrubadas no início dos anos 2000 por conta da especulação imobiliária. Na época, havia 140 exemplares do estilo na capital paranaense, e restaram 25, salvos por uma comissão formada por membros da área de Patrimônio Cultural e estudiosos, que listaram os imóveis com possibilidades de tombamento ou transformação em Unidades de Interesse de Preservação.
Consequências
Preso por um policial militar dentro da USP em 1964, Artigas viveu um período curto de exílio no Uruguai até o início do ano seguinte. Processado por atividade subversiva na universidade (algo que aconteceu com outros intelectuais brasileiros, como Florestan Fernandes e Caio Prado Júnior), respondeu à acusação em liberdade, foi julgado e absolvido. Em 1969 foi cassado e impedido de atuar. Voltou a lecionar com a anistia, em 1980, mas em uma condição complicada: tinha saído como chefe do departamento e precisou reiniciar a carreira.




