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A ministra Ana de Hollanda tem sido o nome mais criticado do atual governo federal | Fábio Rodrigues Pozzebom/ABr
A ministra Ana de Hollanda tem sido o nome mais criticado do atual governo federal| Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/ABr

Entrevista

Vitor Ortiz, secretário-executivo do Ministério da Cultura

Quais os principais desafios encontrados por esta gestão?

Estamos numa fase muito rica de debate interno e planejamento para o novo período. É rica porque existe uma boa experiência dos últimos oito anos do governo Lula a que é preciso dar continuidade. Ao mesmo tempo, precisamos atender uma diretriz da presidente Dilma de qualificar a gestão pública.

Está entre as prioridades descentralizar o fomento à cultura?

Essa já é uma diretriz prioritária. Estamos em fase de planejamento para a aplicação dos recursos de 2011. Mas a ministra Ana propõe que a divisão e o raciocínio para o investimento cultural não sigam só a lógica geopolítica, mas também o das mesorregiões, como já fazem outras pastas. Por exemplo, o Pampa e a região amazônica têm características culturais muito específicas.

Existe o interesse desta gestão em aprovar o Procultura [que reforma a Lei Rouanet]?

Sim (risos). Muito interesse. Trata-se de um projeto estratégico que está no Congresso e enfrenta vários problemas que a área cultural já tinha, e temos que respeitar o espaço de debate. O projeto está na comissão de Orçamento e Finanças da Câmara de Deputados.

Quando será divulgado o cronograma de etapas da revisão do projeto da lei de direitos autorais?

Estabelecemos um prazo [que termina semana que vem] e ele será cumprido. O objetivo principal é buscar consenso entre pontos conflitantes e encaminhar o projeto para o Congresso ainda neste ano.

Gritos e sussurros

Acompanhe as polêmicas ligadas ao MinC:

Direitos autorais

A classe artística teme que a ministra desista da reforma iniciada pelo governo Lula. Primeiro, a licença para uso não-comercial de materiais do site do ministério foi retirada.

O projeto que reforma a lei foi retirado da Casa Civil, de onde seguiria para aprovação. A ministra chegou a afirmar que não iria ler o projeto porque isso seria função dos técnicos da pasta. E o gestor da reforma, Marcos Souza, foi afastado da Diretoria de Direitos Intelectuais do MinC.

Lei Rouanet

A reforma da lei de fomento, considerada ultrapassada, também empacou. A queixa de artistas, compositores e intérpretes é que o sistema vigente de arrecadação e distribuição de direitos autorais beneficia editoras e gravadoras. A ministra teria afirmado não gostar da lei.

Falta de diálogo

O sociólogo Emir Sader definiu a ministra como "autista" pela falta de diálogo e deixou de ser indicado para a presidência da Fundação Rui Barbosa. Em seguida, o secretário executivo do Plano Nacional do Livro e da Leitura, José Castilho Marques Neto, pediu demissão de um cargo não remunerado pelo mesmo motivo.

Após protagonizar polêmicas que alimentaram o boato de que poderia ser retirada do cargo, a ministra da Cultura Ana de Hollanda sobreviveu ao rito de passagem dos cem dias do governo Dilma. O entendimento nos corredores do Planalto é de que ela fica, mas artistas e produtores culturais pressionam para que a pasta engate uma segunda e a nova gestão mostre a que veio.

"Esta gestão está engessada. Tentei concorrer a um edital de passagem aérea para uma exposição que estou promovendo em Madri, mas ele nem foi aberto neste ano", exemplifica a professora de artes plásticas da Escola de Música e Belas Artes do Paraná Juliane Fuganti.

Além da lentidão, a pasta se envolveu em diversas polêmicas, como a concessão de incentivo fiscal para captação de R$ 1,3 milhão para um blog de poesia da cantora Maria Bethânia. A principal encrenca foi a sinalização de que Ana de Hollanda discorda da política de flexibilização dos direitos autorais iniciada pelo governo Lula. O posicionamento ficou evidente quando ela pediu de volta o texto da reforma da lei referente ao tema que já estava na Casa Civil, após três meses de consulta pública no governo anterior, alegando desconhecê-la.

A ministra também retirou as licenças Creative Commons – permissão para uso não-comercial de conteúdo, como fotos e textos – do site do Ministério da Cultura. Depois veio o afastamento do gestor da reforma dentro da Diretoria de Direitos Intelectuais do Minc, Marcos Souza.

Para grande parte dos artistas, o atual sistema de arrecadação e distribuição de direitos autorais decorrentes da execução pública de obras favorece editoras e gravadoras.

Um grupo de músicos chegou a se reunir para sugerir uma terceira via. "O MinC deve compreender que a sociedade civil está extremamente mobilizada em torno dessa e de outras questões relativas à cultura, e que ela estará ao seu lado na medida em que sinta que essa nova equipe pretende realmente ouvir nossas questões, que poderemos participar do processo e que existe uma real perspectiva de mudança e transparência", disse à Gazeta do Povo o músico Téo Ruiz.

"Para que a ministra Ana de Hollanda consiga atuar, deve contar com o mínimo de apoio das classes artísticas, do congresso e também da iniciativa privada", concorda o secretário de Estado da Cultura no Paraná, Paulino Viapiana.

Para Lúcia Camargo, ex-secretária de Estado da Cultura no Paraná, o que falta à atual gestão é acelerar projetos, o que passa pela indicação de quadros para a Funarte. "Acho que esta administração está cautelosa demais; as respostas têm de ser imediatas."

A maior parte do setor cultural concorda que é preciso esperar, já que cem dias de trabalho não são suficientes para determinar o rumo que será tomado. Por outro lado, a professora Juliane Fuganti cita o exemplo do governo estadual, que, no mesmo período de tempo, já promoveu inaugurações e divulgou um edital do ressuscitado Conta Cultura, dispositivo de fomento que chancela projetos aprovados pela Lei Rouanet de produtores paranaenses ou residentes no Estado há dois anos, garantindo a captação de recursos junto a estatais paranaenses.

Alinhamento

A situação só não é tão grave como pintada nos primeiros meses de gestão porque, conforme fontes do PT, como o deputado federal pelo Paraná André Vargas, secretário de Comunicação do partido, a ministra está em sintonia com o Palácio no quesito principal: o conceito de que a cultura é um direito do cidadão.

"O governo Lula deixou pontos polêmicos e a ministra resolveu não dar uma continuidade cega, e sim analisar as consequências", diz o deputado.

Mostra do alinhamento à macropolítica cultural é o empenho para aprovação ainda neste semestre do vale-cultura, que destinará R$ 50 para trabalhadores comprarem livros, CDs, DVDs ou ingressos para espetáculos de teatro, dança e circo.

Também neste ponto, em que há celeridade, há críticas por parte de artistas que veem no vale-cultura a possibilidade do surgimento de uma nova moeda de troca como era o vale-transporte.

"A ministra não mostrou nenhuma objeção a que isso ocorra, enquanto deveria investir é na educação cultural em todas as etapas da formação acadêmica", diz o cineasta Guto Pasko.

Para que o projeto cumpra também o papel de fomento das artes, o produtor musical Álvaro Collaço sugere que haja divulgação e direcionamento dos locais onde o vale pode ser utilizado, de forma a promover a diversidade do consumo cultural. "Caso contrário, as pessoas só consumirão o que já conhecem", aponta.

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