• Carregando...

São Paulo - Num verbete curto de seu Dicionário de Cinema, o crítico e historiador Jean Tulard decifra o mistério. Maurice Pialat nasceu em 1925, morreu em 2003. Ator e pintor, ele fez da busca da autenticidade a pedra de toque de seu cinema. Filmes e personagens são construídos à flor da pele. Em 1987, com Sob o Sol de Satã, ele recebeu, embaixo de vaias, a Palma de Ouro em Cannes. Em 1991, fez de Jacques Dutronc o seu Van Gogh.

Pialat dizia que o cinema é a verdade do momento em que se está filmando, o que é uma maneira diferente de conceitualizar o cinema como "a verdade 24 vezes por segundo", de Jean-Luc Godard. A cinebiografia talvez mais acadêmica, mas com esplêndido uso da cor, de Vincente Minnelli – Sede de Viver, dos anos 50 –, pode até ser melhor, inclusive porque Kirk Douglas, a despeito de todos os seus grandes papéis, parece ter nascido para ser o pintor. Mas o Van Gogh de Pialat é intenso, perturbador. Aquela força pode ter nascido de um momento particular da vida do próprio Pialat, mas com certeza não foi acidental.

Como o cinema trabalha o quadro, críticos buscam com frequência analogias entre o cinema e a pintura. Existem muitas aproximações possíveis – e o brasileiro Júlio Bressane é um apaixonado pela pintura, pelo "quadro", o plano, como unidade de montagem. Bressane pesquisou centenas de quadros para fazer a sua Cleópatra. Pialat pesquisou os quadros de Van Gogh, mas o que ele quer colocar na tela é a febre de viver (e pintar). Podem-se fazer outras analogias, com aquele pintor coreano de Bêbado de Mulheres e Pintura, de Im Kwon-taek. Com O Mistério Picasso, de Henri-Georges Clouzot, de 1956, também disponível em DVD (lançado bem antes de Van Gogh).

Clouzot era um dos diretores da qualidade francesa que a Nouvelle Vague adorava fustigar, mas vários de seus filmes estão obtendo reconhecimento, até mesmo entre críticos que antes lhe eram hostis. Van Gogh sempre foi a exceção de sua obra. Houve um imediato reconhecimento de que se tratava de sua obra-prima, de uma obra-prima. Entre os muitos significados da Nouvelle Vague, o menor não terá sido o de inaugurar, no cinema francês do fim dos anos 50, um cinema do "corpo". Jean-Paul Belmondo, Jean-Claude Brialy, Jean-Pierre Cassel e as musas Jean Seberg, Anna Karina e Juliette Mayniel se moviam com naturalidade diante das câmeras, que eram portáteis e captavam o som direto para melhor segui-los nas ruas, naqueles filmes que colocavam na tela a cara da juventude francesa, como reação ao cinema e à sociedade de velhos que era a França, por volta de 1960.

Van Gogh está de novo no cen­­tro das discussões. Pes­­quisas recentes contestam o mito da automutilação. Em Auvers-sur-Oise, em seus três últimos meses, o Van Gogh de Pialat pinta, anda nos campos de girassóis, vai a um baile popular, discute arte. O mito é dessacralizado, Van Gogh é visto da cozinha, como escreveu Libération, na época. Pode ser árduo, mas é poderoso.

Serviço

Van Gogh (França, 1991). Direção de Maurice Pialat. Com Jacques Dutronc. Versátil. Preço médio: R$ 37,50.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]