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ariano suassuna (1927-2014)

Um romanceiro de sol e poeira

Autor paraibano trouxe a tragicomédia e o folclore nordestino ao epicentro de sua obra, marcada por tons solares e medievais

 | Leo Martins/Agência O Globo
(Foto: Leo Martins/Agência O Globo)

Não é por acaso que a estreia de Ariano Vilar Suassuna, ainda estudante de Direito, tenha sido com a peça Uma Mulher Vestida de Sol, de 1947, narrativa trágica do sertanejo diante do calor, do agreste e da terra queimada de sol. Ao longo de quase 70 anos de produção, 18 peças e mais de trinta livros de ficção e de poesia, Suassuna erigiu um castelo afetivo onde se acomodavam malandros, santos, poderosos, prostitutas, avarentos, medíocres e sonhadores, entre outros tipos que caracterizaram, cada qual à sua maneira, um jeito brasileiro de sentir e existir.

Como um maestro conciliador, Suassuna conduziu cada uma de suas personagens ao chão do sertão, em um resgate entre o teatro grego e a literatura de cordel, um Nordeste picaresco e crítico. Traduzido em mais de dez línguas, este paraibano de coração pernambucano, nascido em Nossa Senhora das Neves, atual João Pessoa, num dia de Corpus Christi, fez de sua trajetória uma releitura mística do país e de seu tempo, um tablado para o seu particular modo de enxergar a literatura e, num plano maior, a identidade nacional.

Mediador

À moda de Gramsci, Suassuna foi um intelectual orgânico, bandeirante, capaz de transitar da anedota à política, de recriminar Madonna e Michael Jackson e divulgar, aos quatro ventos, sua paixão pelos cantadores de Olinda. Era um reclamão habitual das novidades tecnológicas e extremamente paciente e solícito com estudantes – suas aulas-espetáculo eram folclóricas.

Nos anos 1970, erigiu um movimento de resgate das origens culturais nordestinas, com o mote de conciliar o erudito ao popular. O Movimento Armorial foi uma das iniciativas emblemáticas do Brasil do século 20. Ao reunir nomes conhecidos do cenário cultural da época, como Capiba e Guerra-Peixe, procurou uma regionalidade capaz de abraçar o teatro, a dança e as artes visuais sem as influências externas da modernidade.

Relógio de sol

Em 1989, foi eleito para a Academia Brasileira de Letras. Mas não era muito de aparecer nas tardes de chá. Torcedor fanático do Sport, foi imortalizado em exposições, sambas-enredo, teses acadêmicas, séries de tevê e filmes que buscaram trazer um pouco de sua visão de nacionalidade caprichosamente medieval.

De fato, Ariano, desde 1955, com o estrondoso Auto da Compadecida, integrava o imaginário brasileiro. (Sob a alcunha de Arriando Suassunga, foi satirizado pela trupe do Casseta & Planeta. Suassuna, o original, não achava os quadros muito engraçados.) À esquerda, admirava Lula, considerado por ele, sem ironias, uma espécie de Sancho Pança.

Era uma alma pouco belicosa, amena e de humor acentuado. Sobre os vegetarianos, dizia que o cavalo e o humano da Idade da Pedra viviam aproximadamente 20 anos. O cavalo, apesar de sua alimentação saudável histórica, continuava vivendo os mesmos 20 anos de sempre. "O mundo é um circo e o mundo de meu teatro procura se aproximar dele: um mundo de sol e de poeira", proferia.

Cânone

Quando completou 80 anos, Suassuna cruzou o país para receber todo tipo de homenagem, apesar de sua aversão a voar de avião. Afirmava se recusar a morrer e ficava "preocupado" com a dimensão dos festejos quando completasse 160 anos. Para ele, a morte tinha um elemento de suicídio e não queria ser levado tão cedo pela Dona Caetana, eufemismo quase familiar para o fim em algumas regiões nordestinas.

O sertão, o nobre coloquial e as idiossincrasias de toda a gente foram camadas para o seu palco, um dramaturgo que carregou, a tiracolo, a sabedoria popular e a pulsão de viver, mesmo sob o sol inclemente. Suassuna deixa uma obra que permanecerá em nosso relicário por muito tempo. A cada dia algum brasileiro se deparará com a ingenuidade falsária de Chicó, os sonhos emparedados de Quaderna e, sobretudo, um universo de cores potentes e libertárias, quase saudosas, como, aliás, ele sempre advertia: "Liberdade é o artista fazer o que lhe agrada, contra os rótulos e as inclinações de seu tempo".

Obra

Suassuna deixou um dos maiores legados da literatura brasileira. Confira algumas de suas principais obras:

• Teatro

Uma Mulher Vestida de Sol (1947) Auto da Compadecida (1955) O Casamento Suspeitoso (1957)

O Santo e a Porca (1957) A Pena e a Lei (1959) Farsa da Boa Preguiça (1960) • Romance

A História do Amor de Fernando e Isaura (1956) Romance d’A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta (1971) História d’O Rei Degolado nas Caatingas do Sertão/Ao

Sol da Onça Caetana (1977) • Poesia

Ode (1955) Sonetos com Mote Alheio (1980) Sonetos de Albano Cervonegro (1985) Poemas (1999)

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