
"Se eu pudesse contar a história em palavras, não precisaria carregar uma câmera." A frase do fotógrafo norte-americano Lewis Hine (1874-1940) ajuda a tentar compreender as razões que levaram milhares de japoneses a não tirar o olho dos visores de suas filmadoras, celulares e câmeras fotográficas nem mesmo nas situações de mais pânico provocadas pelos terremotos que devastaram o país desde o dia 11 de março.
Em nenhuma outra catástrofe natural foram produzidas tantas imagens "no olho do furacão", distribuídas ao mundo pelas redes de televisão e pela internet em tão curto espaço de tempo. E elas nunca foram tão chocantes pelo absoluto ineditismo das situações. Afinal, quem imaginaria ver, senão em filmes-catástrofe, carros que foram parar no alto de prédios, casas à deriva ou um barco atravancando a rua?
O vídeo gravado por uma mulher enquanto deixava seu apartamento para tentar se proteger dos tremores é um exemplo do grau de visibilidade alcançado pela tragédia, em grande medida, por ela ter ocorrido em um país onde as pessoas desenvolveram uma relação tamanha com a tecnologia a ponto de torná-la parte de cada ínfimo momento de suas vidas que dirá durante um acidente das proporções de um tsunami. Podemos ter acesso, inclusive, à intimidade dos lares dos japoneses, que concedem entrevistas sentados diante de suas webcams.
Afogar-se nessas imagens de destruição é algo inevitável em um mundo interligado pelas tecnologias. "Todo mundo pode ter uma câmera na mão, celular, webcam, com preços cada vez mais baixos e qualidade cada vez maior. Então, a maior parte dos eventos da vida contemporânea é gravada", diz Fernão Ramos, professor titular do Departamento de Cinema do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e organizador de livros como Teoria Contemporânea do Cinema (2 vols., 2005, Editora do Senac).
Ele lembra, por exemplo, que as imagens do primeiro avião que se chocou contra as torres gêmeas do World Trade Center, em setembro de 2001, foram feitas por um passante.
Há não muito tempo, antes de ser possível a qualquer um ter uma câmera e lidar com ela, somente fotógrafos e cinegrafistas arriscavam suas vidas em busca do melhor ângulo em guerras, catástrofes naturais ou atentados terroristas. "As tecnologias permitiram ao homem o acesso à comunicação de modo mais amplo e possibilitaram o 'empoderamento' no que diz respeito ao uso das imagens, que era antes um conhecimento restrito a um pequeno grupo de pessoas que dominava a tecnologia e que tinha recursos financeiros para possuir os equipamentos", explica a mestre e doutoranda em Comunicação Ana Paula da Rosa, coordenadora dos cursos de Comunicação da Universidade Tuiuti do Paraná.
Nesse sentido, a acesso de "amadores" à produção de imagens é visto de maneira positiva pelos dois estudiosos. "Antes as filmagens eram muito mais controladas. Não que não existam mais canais dominantes, mas a possibilidade de estampar uma imagem que fuja do proposto por esses canais se ampliou muito", diz Fernão Ramos, referindo-se aos grandes veículos de comunicação.
Hoje, é possível compartilhar imagens, por exemplo, em blogs ou no Youtube para Ana Rosa, um receptáculo de todas as imagens do mundo. "Além disso, grande parte dos noticiários passou a empregar as imagens produzidas por anônimos", diz. Mas ela observa que, geralmente, apenas uma ou duas imagens acabam se tornando símbolos, por terem sido as escolhidas para replicação em blogs, jornais, tevê, sites, "como é o caso da onda levando as casas no Japão, o rio devastando Nova Friburgo, as torres gêmeas em chamas, a derrubada da estátua de Saddam Hussein".



