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MÚSICA

Uma artista quase famosa

Com Begin to Hope, a cantora russo-americana Regina Spektor chega às prateleiras brasileiras

Não se deixe enganar pela primeira impressão. Regina Spektor é dessas artistas que extrapolam rótulos. Embora a voz suave em vibrato pareça revelar mais uma cantora pop-romântica no refrão de "Fidelity" ("And it breaks my hea-ah-ah, ah-ah-ah, ah-ah-ah-aart" – traduzido, "Isso parte meu coração"), o hit é apenas a camada superficial. Há muitas outras a descobrir na obra dessa russa naturalizada americana.

A compositora já deixou claro que prefere dar a cada canção uma personalidade própria a buscar um estilo musical único. E o faz com criatividade. Pianista competente, com grande extensão vocal, Regina rompe limites convencionais em composições atrevidas e é capaz de encerrar uma música com um espirro ("Mary Ann"). A tragédia de Édipo ("Oedipus"), alucinações provocadas por cocaína ("Hotel Song") e reflexões sobre o fim ("On the Radio") rendem igualmente belas composições.

Begin to Hope, o primeiro CD lançado no Brasil pela Warner, é a entrada ideal para o universo plural da cantora. Produzido por David Kahne (Paul McCartney), este é, dos cinco álbuns de Regina, o que soa mais pop, principalmente nas primeiras faixas, como "Fidelity" e "Better". As duas funcionam como uma espécie de apresentação bem-comportada que prepara para as nuances mais densas ou inesperadas que virão.

Logo surge a intensidade dramática sombria de "Après Moi", em que Regina canta, em russo, versos do poeta e escritor Boris Pasternak. As sombras se dissipam para dar lugar às lembranças bem-humoradas em "That Time" ("Ei, lembre-se daquele mês em que eu só comi caixas de tangerina/ Tão baratas e suculentas!"). Das experimentações sonoras de "Edit", a cantora passa a uma homenagem ao blues e à Billy Holiday em "Lady" ("Eu posso cantar essa canção tão triste que você chorará /(...) pequenas lágrimas úmidas nos ombros do seu amor"). São guinadas que espantam a monotonia e provocam as várias personalidades escondidas em cada um de nós.

Auto-ironia

Sempre comparada a Tori Amos e Fiona Apple, Regina se distingue pelas letras espertinhas e por ser deliciosamente bem-humorada – ao ponto de Jon Pareles, do The New York Times, chamá-la de "a rainha do cômico". O tom, de fato, está mais para a auto-ironia, especialmente perceptível no álbum Soviet Kitsch. O título brinca com a origem russa-judaica da artista, que já na capa aparece trajada de chapéu militar e com uma garrafa de bebida.

Lançado pelo produtor Gordon Raphael (o mesmo dos Strokes) em 2003, Soviet Kitsch é, merecidamente, considerado o melhor trabalho da cantora. Mais ousado que o seguinte, o álbum é um território livre para experimentações. Pausas inesperadas, tempos quebrados e sons estranhos pontuam as 11 canções com as peculiaridades que a tornam tão fascinante. E não lhe falta sensibilidade, como em "Ode to Divorce" ("Então me quebre em pequenos pedaços/(...) Devem existir alguns bons").

Soviet Kitsch deve ser lançado no Brasil em julho deste ano, pela Warner. Já os discos anteriores da cantora (11.11, Songs e a compilação Mary Ann Meets the Gravediggers) não têm previsão de venda no país, mas estão disponíveis para importação ou na internet. Atual queridinha dos alternativos, fenômeno cool tanto pela origem exótica e amizade com os Strokes, quanto pelo talento e ousadias, Regina Spektor finalmente chega às lojas para ganhar o público. Resta esperar que a personalidade forte dessa ruiva de olhos azuis nunca se renda aos enquadramentos do mainstream.

Begin to Hope – GGGG

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