
Não é de hoje que Mike Patton vem flertando com a música orquestrada e, mais especificamente, com a música orquestrada da Itália. Conhecido por comandar os vocais da banda Faith No More e por ter passado por mais um sem número de projetos dentre os quais Mr. Bungle e Fantômas , o músico foi casado com a artista plástica italiana Titi Zuccatosta na década de 1990. Veio daí seu interesse pela cultura e pelo idioma o músico teve uma casa na cidade de Bolonha, fala fluentemente o italiano e já havia liderado o projeto Mondo Cane, em que canta sucessos da música popular italiana do século 20 com uma orquestra.
De forma que o novo empreendimento do músico é o destino para o qual sua carreira caminhava. Em conjunto com a orquestra belga Ictus Ensemble, Patton regravou Laborintus II, peça do compositor erudito italiano vanguardista Luciano Berio (1925-2003). "É uma peça impactante, tanto do ponto de vista de escritura musical quanto pelo aspecto teatral. Ele usa elementos mais abertos e tem um coro bastante elaborado", comenta a pianista e compositora curitibana Jocy de Oliveira, que teve um relacionamento amoroso e artístico com Berio e atualmente apresenta no Sesc Vila Mariana, em São Paulo, a ópera Berio sem Censura.
Ópera sem história
Com aproximadamente 35 minutos de duração, Laborintus II foi escrita entre 1963 e 1965, incorporando em sua letra trechos de Laborintus, primeira coletânea de poemas do amigo de Berio e estudioso da obra de Dante Allighieri, Edoardo Sanguineti. Foi uma obra encomendada pelas rádios francesas e italianas para celebrar o aniversário de 700 anos do autor de A Divina Comédia, e, executada por um coro feminino, um coro misto, um narrador e uma orquestra que inclui um baterista de jazz, fazendo uma ponte típica da obra do compositor com a tradição operística italiana. Pode-se dizer que Laborintus II é uma pequena ópera sem história, em que fragmentos de textos e um diálogo sonoro entre narrador e coro abrangem temas como a memória, a usura e a própria música. A letra varia entre o inglês e o italiano, e integra fragmentos de textos do próprio Dante, dos poetas modernistas T.S. Eliot e Ezra Pound, e até da Bíblia.
Patton assume aqui o papel do narrador, interpretado originalmente pelo próprio Sanguineti. Sua narrativa de falante não nativo do italiano acentua mais a sonoridade das palavras, como fez na faixa "Violenza Domestica", do álbum Disco Volante, de sua banda Mr. Bungle. A iniciativa de integrar esse projeto, porém, é o mais importante. O músico demonstra com Laborintus II não apenas toda a sua versatilidade e virtuosismo subestimados como também se firma como o camaleão musical que é. A facilidade com que transita entre a música popular e a erudita, entre a convencional e a completamente experimental e de difícil assimilação, como é o caso desta peça, destaca um músico que encontrou em Berio um semelhante, que, assim como ele, era um inconformado pesquisador de saídas para a estética musical de seu tempo é bom lembrar que o compositor foi um dos primeiros a incorporar a música eletrônica ao repertório erudito, nas décadas de 50 e 60. O novo disco de Mike Patton é hermético e oferece pouco entretenimento, mas fica como um ponto marcante na carreira do cantor. GGG1/2




