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Entrevista

Uma brasileira em foco

A paranaense fala sobre o trabalho no documentário manda bala, premiado no festival de Sundance, em janeiro

Avô herói | Reprodução Rede Globo
Avô herói (Foto: Reprodução Rede Globo)

O dia 27 de janeiro abalou a rotina da diretora de fotografia paranaense Heloísa Passos. Foi quando seu trabalho no filme Manda Bala derrotou outros 15 competidores norte-americanos na disputa pelo prêmio de melhor direção de fotografia no Festival de Cinema de Sundance. Nunca um brasileiro havia recebido a honraria.

Manda Bala, dirigido pelo nova-iorquino Jason Kohn, também recebeu o Grande Prêmio do Júri, na categoria documentário. No Brasil, foi descrito como um filme sobre corrupção e violência. "Filme sobre Brasil ‘violento e cor-rupto’ vence em Sundance", dizia uma das manchetes. O filme, que ainda não foi exibido por aqui, envolve "um político que usa uma fazenda de rãs para roubar bilhões de dólares, um milionário que investe uma pequena fortuna para blindar seus carros e um cirurgião plástico que reconstrói as orelhas de vítimas de seqüestro mutiladas", de acordo com uma matéria da BBC Brasil.

Em conversa com o Caderno G, Heloísa Passos fala sobre o seu envolvimento com o projeto. A entrevista foi concedida por telefone, de São Paulo, onde a paranaense opera câmera e fotografa o documentário KFB-1348. Em 2006, Passos também consolidou a cerreira de diretora de cinema, com as sucessivas premiações do curta-metragem Viva Volta e com o lançamento do documentário O Caminho da Escola, que atualmente visa distribuição e exibição na televisão européia e norte-americana.

Gazeta do Povo – Como se deu seu envolvimento com o projeto Manda Bala?

Heloísa Passos – Há cinco anos, conheci o pai de Jason Kohn (diretor) em uma festa em São Paulo. Ele descobriu que havia uma pessoa presente que fazia cinema e veio falar comigo, dizendo que seu filho estava vindo ao Brasil para fazer um filme. Depois de dois meses, Jason entrou em contato comigo. Trocamos alguns e-mails e, logo, ele estava no Brasil. Nos encontramos na minha casa em São Paulo e houve uma série de coincidências e afinidades. Ele viu alguns livros meus e trouxe alguns filmes, como o do Errol Morris, The Thin Blue Line. Deu-me um livro de presente que se chama Twilight, com fotografias de Gregory Crewdson, que trabalha a interferência da luz sobre o real. Eu gostei muito daquilo.

Kohn já possuía um projeto preconcebido nessa época?

Ele tinha várias idéias de um quebra-cabeça que chega a um "finalmente". Ele sabia que queria filmar carros blindados, o tráfego de helicópteros de São Paulo, porque a cidade de São Paulo é uma das que mais tem tráfego de helicópteros. O foco dele era seqüestro e ele sabia que não queria fazer um documentário com tratamento de luz e enquadramento no estilo e desenho de um documentário clássico. Queria que a gente tratasse a fotografia com um olhar que interferia, e sempre preocupado com composição. Isso colaborou muito com o meu trabalho.

Como foi o seu trabalho nesse filme? Como ele se diferencia, enquanto concepção de direção de fotografia, em relação a seus outros filmes?

É um privilégio filmar um documentário em película. Jason sugeriu um formato que é 2:69, mais largo do que o Cinemascope (freqüentemente exibido nas salas de cinema). Ele tinha essa concepção inicial, porque a idéia dele era trazer o entrevistado e ao lado ter um intérprete para não utilizar a legenda em inglês. A gente estava sempre compondo duas pessoas no quadro e esse formato mais retangular, que é o 2:69, proporciona isso e combinou com essa decisão. Veio um jogo de lentes anamórficas (que comprimem uma imagem muito larga em uma película regular de 35 milímetros) de Londres, de uma loja que faz esse tipo de material até hoje. Tive como diferencial uma preparação e uma série de testes dessas lentes. Um ponto bem importante é que o filme foi se descobrindo durante o processo, nesses cinco anos em que em que estivemos envolvidos no projeto. A segunda fase, em 2003, foi bem melhor do que a primeira, em 2002. Jason passou mais de um ano montando o filme. Quando voltamos a trabalhar, em 2006, sabíamos exatamente o que queríamos fazer. Precisava de mais duas entrevistas e Jason passou meses no Brasil para consegui-las. Eu sou talvez a única pessoa da equipe brasileira que ficou do começo até o final da produção. Esse tempo de maturação e descoberta também é um privilégio.

Pelo fato de se tratar de cineastas estrangeiros filmando no Brasil, como se deu essa representação do Brasil na tela?

É claro que o filme tem um olhar estrangeiro. O Jason é um nova-iorquino e ele não tem um uma relação que eu tenho com o Brasil, a minha cumplicidade com o país, porque sou apegada ao lugar em que nasci e é onde moro. Essa relação ele não tem, mas possui uma abordagem cinematográfica, que é a de fazer um filme que contivesse depoimentos que dessem substância para que o resultado fosse forte. Ele conseguiu que o procurador geral da república o recebesse. Houve insistência dele para ser recebido. É um mérito muito grande do diretor, porque ele tem um rol respeitável e entrevistados para fechar e entender do que se trata o filme. Acompanhamos a vida, e não apenas os acontecimentos na cidade de São Paulo, de maneira cinematográfica. Não é um filme verborrágico. A imagem conta muito o tempo todo, apesar de ter entrevistas e material de arquivo também.

Se puder adiantar, qual é a sinopse do filme?

Eu vou dizer a minha sinopse. É um filme sobre justiça, impunidade, seqüestro, corrupção, e, é claro, sobre violência. Principalmente sobre justiça e impunidade. Não é como a imprensa brasileira, que não viu o filme, está divulgando, dizendo que é apenas sobre corrupção. É também sobre o contrato social, a desigualdade social. A corrupção e violência estão no filme, mas, antes de tudo, ele questiona a justiça e a impunidade neste país. Eu lidei com o filme assim.

Você esteve no Recife recentemente. No que esteve trabalhando lá?

O longa-metragem KFB-1348. Estou em São Paulo em um hotel com a equipe, cheguei de Recife hoje. É um filme premiado no edital Documenta Brasil, de R$ 500 mil para longa-metragem. Estou fotografando e operando a câmera. O filme é sobre um fusca de 1965 que acaba tendo oito proprietários e termina no Recife, em um ferro velho, vira sucata. É um paralelo com o que está acontecendo no Brasil durante todos esses anos, um retrato traçado por meio dos próprietários desse Fusca.

Como o prêmio abalou o seu cotidiano?

Uma loucura. Nos três primeiros dias depois que ganhei o prêmio, eu estava filmando e não podia atender as pessoas. Tive de deixar o telefone com outra pessoa para anotar os recados, porque de meia em meia hora ligava um jornalista. A maior parte queria especular sobre o filme, e quem responde sobre isso é o diretor, o produtor, não eu. Ainda têm gente me procurando. A revista Trip quer fazer uma matéria sobre o meu trabalho, então vou fazer. A Veja queria uma entrevista e deixei claro que, se for sobre a minha fotografia, tudo certo, se for sobre o filme, é com o diretor. Deixei o telefone e o e-mail do assessor de imprensa dos EUA. A primeira vez em que realmente falei a fundo sobre o meu trabalho, foi em uma entrevista de uma hora, ontem, para a revista American Cinematographer.

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