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É difícil acreditar que Aaron J. Wiederspahn nunca havia feito um filme na vida antes de estrear com A Sensação de Ver. O longa-metragem, em cartaz na 30.ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, é surpreendente em vários aspectos. Tanto pela segurança perceptível na direção sensível do jovem cineasta norte-americano quanto pelo inusitado da história que decidiu contar.

Descrito pelo diretor como um filme sobre "lugares quietos", referindo-se tanto à geografia física do enredo quanto aos territórios emocionais abordados pela trama, A Sensação de Ver tem como protagonista um professor de Inglês numa cidade do interior do estado de New Hampshire, que decide deixar a família e o emprego seguro numa escola secundária para vender enciclopédias de porta em porta.

"A idéia do filme surgiu de um sonho que tive mais de uma vez. Sobre um homem que vendia livros, enciclopédias, puxando um carrinho, algo completamente anacrônico hoje em dia. A partir daí, comecei a criar o universo em torno desse personagem", conta Wiederspahn.

Sabe-se que Finn – vivido pelo excelente David Straithairn (indicado ao Oscar de melhor ator por Boa Noite, e Boa Sorte) – viveu uma grande tragédia, envolvendo um de seus alunos, mas a verdade sobre o acontecido é apenas revelada aos poucos, como em um quebra-cabeças que vai sendo montado pelo espectador à medida que o roteiro libera pistas, indícios do acontecido.

Além do protagonista, a ação de A Sensação de Ver evolui a partir da perspectiva de vários personagens, todos habitantes da mesma localidade e, de alguma forma, interligados: entre eles, Dylan (o neozelandês Daniel Gillies), outro ex-aluno de Finn, que retorna à cidade depois de roubar o pai e abandonar a mulher e a filha; Drifter (Ian Somerhalder, o Boone do seriado Lost), jovem músico que largou a música após a morte do irmão; e Alice (Jane Adams, de Felicidade), uma doceira solitária que foge do marido ultraviolento.

Indagado sobre o porquê de o cinema independente, ao contrário das produções dos grandes estúdios, dedicar tanta atenção a famílias e personagens desfuncionais, à margem, Widerspahn sorri, demora para responder e, por fim, diz: "Acho que o que os diretores do cinema independente tentam fazer com seus filmes é discutir a verdade, ao contrário do cinema comercial. Mas falo da verdade individual de cada criador, não é uma fórmula fechada. A disfunção está nos filmes porque ela existe no mundo real".

Tarkovski e Bresson

Ex-líder da banda de rock The Dear Ephasus, apaixonado por filosofia e literatura, Wiederspahn nunca estudou cinema formalmente. Tampouco dirigiu outro filme, em curta ou longa-metragem antes de A Sensação de Ver. "Aprendi indo ao cinema. Vi muitos, muitos filmes na vida. E também li e assisti a tudo relacionado a Tarkovski (diretor russo, autor de Solaris) e Robert Bresson (cineasta francês de Pickpocket), meus ídolos, heróis mesmo, quando o assunto é cinema. Isso talvez explique por que não fiz um filme de fácil digestão", diz o diretor.

O mais interessante é que, contrariando a opinião do próprio diretor, A Sensação de Ver tem forte comunicação com o público. É um filme com imperfeições, talvez seja um pouco longo demais, mas repleto de virtudes. Da bela fotografia, que coloca o olhar do espectador em sintonia com o "mundo de silêncios" de Wiederspahn, ao ótimo elenco, afinadíssimo, que consegue dar verdade a um história intrigante e profundamente humano. Uma agradável surpresa.

O jornalista viajou a convite da Mostra de São Paulo.

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