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Literatura

Uma Garopaba mitológica

Barba Ensopada de Sangue, de Daniel Galera, apresenta um protagonista que segue um destino de herói no Brasil contemporâneo

Daniel Galera alterna seu novo romance entre o banal e o sublime | Matheus Dias/Divulgação
Daniel Galera alterna seu novo romance entre o banal e o sublime (Foto: Matheus Dias/Divulgação)

Difícil revelar tão realisticamente o Sul brasileiro contemporâneo nutrindo-se ao mesmo tempo de doses cavalares de mitologia quanto faz Barba Ensopada de Sangue, do "gaúcho nascido em São Paulo" Daniel Galera.

Seu protagonista nadador faz um périplo que lembra o de Édipo, com a diferença de que o ponto nevrálgico de sua existência não está na mãe/esposa ou no pai que matou, mas no avô que teria morrido sob circunstâncias dignas de um thriller.

O professor de natação descobre no primeiro capítulo que seu pai pretende se matar. Apesar de seus protestos, este lhe pede um favor e conta o que sabe sobre o próprio progenitor, morto em Garopaba, no litoral catarinense, por inúmeras facadas desferidas pela comunidade de pescadores num blackout durante um baile. A versão tupiniquim de Morte no Expresso do Oriente não convence o jovem, que carrega suas mágoas para aquela cidadezinha e lá se instala.

Os avisos de que o avô é assunto tabu e de que ele, ao deixar a barba crescer, se parece cada vez mais com o ancião bom de briga e ameaçador que um dia passou pela vila não o demovem nem um centímetro.

Munido de uma determinação que só os heróis conseguem manter, ele quer saber mais. No caminho, apaixona-se algumas vezes e arranja emprego, e nessas atividades prosaicas apresenta muito do homem do século 21.

Galera alterna como um pêndulo seu romance entre o banal – explícito em descrições por vezes cansativas – e o sublime.

Nada mais simbólico do que a doença de que sofre o protagonista: prosopagnosia, ou a incapacidade de reconhecer rostos. Levando uma foto do avô na carteira, ele a compara com frequência à própria face no espelho.

Descoberta

A partir de certo ponto, o personagem ermitão parte rumo a sua Colono, numa expedição que é tanto interna quanto externa. Em mais uma conexão do mito com o real, ele percorre os morros catarinenses justamente nos alagamentos monstruosos da primavera de 2008.

Com esses dois lados, é um sujeito capaz de atrair identificação de homens e mulheres; isola-se, mas pode ser extremamente afetuoso e dedicado se provocado. Tem lampejos de premonição que não se explicam, mas suas atividades cotidianas o mantêm próximo o suficiente de nós.

Só exagera por ser sempre melhor do que todos ao seu redor, filosófico ao extremo sem saber quem é Wittgenstein. Revela ansiedades humanas e dedicação sobre-humana quando lhe pedem algo. Mas não perdoa. GGGG

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