
Billie Holiday fez sua primeira gravação numa segunda-feira, 27 de novembro de 1933. Na sexta-feira anterior, no mesmo estúdio da Columbia, na Quinta Avenida, 55, em Nova Iorque, a cantora Bessie Smith fazia sua última gravação. Foi uma passagem de tocha emblemática, da Imperatriz do Blues para aquela que se tornaria a grande diva do jazz.
Só uma canção foi gravada naquela segunda-feira, "Your Mothers Son-in-Law". Billie lembraria depois: "Quando vi aquele microfone imenso e velho, senti um medo mortal. Só o pianista Buck Washington percebeu e me deu uma força: Não deixe que estes brancos vejam que está com medo. Ele começou a me provocar e aquilo funcionou. Recebi US$ 35 pela sessão, mas nada aconteceu com o disco."
Na reedição em CD das gravações de Billie para a Columbia, o crítico Michael Brooks descreve a gravação: "Um disco triste e esmaecido, preso no tempo como uma flor imprensada entre as páginas de um livro. O equilíbrio precário da gravação acentua o peso dos anos que nos separam da jovem e vibrante Billie Holiday, cheia de energia e esperança. Compreensivelmente, ela soa nervosa, e só no seu segundo refrão, na palavra be, ouvimos o arrastar trágico da sua voz, que se tornaria uma de suas marcas registradas."
Billie gravou 153 canções para a Columbia entre novembro de 1933 e fevereiro de 1942. A fase de ouro foi entre janeiro de 1937 e março de 1941, quando é acompanhado pelo sax tenor de Lester Young. Após brindarem um ao outro com seus codinomes artísticos Pres(ident) e Lady Day gravaram 49 faixas imortais nestes anos, entrelaçando voz e sax como corpo e alma de uma mesma pessoa.
Billie fez também uma série de gravações notáveis para o selo independente Commodore, em abril de 1939 e abril e maio de 1944. Foram 17 canções, lançadas num CD duplo com 28 alternate takes. Entre as elas figuram o libelo contra o racismo, "Strange Fruit", e dois blues de autoria da própria Billie, "Fine and Mellow" e "Billies Blues".
Entre 1944 e 1950, Billie passou a gravar para a Decca, trocando o acompanhamento intimista dos pequenos grupos de jazz por formações suntuosas misturando big band e orquestra de cordas. Fez menos de 40 faixas, que não podem ser descartadas como "comerciais", opinião vigente na época. Sua interpretação cada vez mais refinada enfatiza o perfil de Lady Day, a grande solista que impõe sua voz sobre uma rica tapeçaria orquestral.
Mas, já a partir de 1945, Billie está de novo nos braços do jazz, na melhor companhia: passa a gravar no selo Verve, do empresário Norman Granz, criador dos shows itinerantes Jazz at the Philarmonic, pioneiro na integração de músicos brancos e negros.
As primeiras gravações de Billie para a Verve são justamente no bojo do JATP, em concertos em grandes auditórios de Los Angeles e de Nova Iorque. Depois, de 1952 a 1959, grava com o pequeno grupo "da casa", que inclui os melhores músicos de jazz da época. A caixa preta The Complete Billie Holiday on Verve: 1945-1959, com dez CDs, pode ser considerada seu testamento artístico.
A voz de Billie, nos seus últimos anos, foi criticada por sua extrema fragilidade e hesitação, mas é aí que reside toda a sua força: não é a técnica que conta, mas a expressividade da interpretação. Cerca de 90% do repertório de Billie pertence ao cancioneiro norte-americano do século 20, composições de Cole Porter, Irving Berlin, dos Gershwin, de Rodgers e Hart, de Duke Ellington e de outros menos conhecidos, mas nem por isso menos talentosos.
Um de seus clássicos, da dupla Tom Adair e Matt Dennis favorito também de Sinatra e Chet Baker é "Everything Happens to Me", o hino dos perdedores, dos azarados, que passam pela vida "catching colds and missing trains" ("pegando resfriados e perdendo trens"). Jamais se entregou a novidades ou extravagâncias (como Louis e Ella, com "Mack the Knife", "Hello Dolly", "Cest Si Bon" ou bossa nova.) Jamais embarcou em scats longos e espalhafatosos, como Ella e Sarah. Sua arte foi a de proferir cada palavra como se fosse a última, deixando escorrer de cada canção uma gota de sangue.



