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Autobiografia

Uma história de amor e arte

Vencedora do National Book Awards na categoria de não-ficção, Patti Smith relembra com delicadeza e poesia os anos que passou ao lado do fotógrafo Robert Mapplethorpe no livro Só Garotos, que chega às lojas brasileiras nesta semana

Robert Mapplethorpe e Patti Smith: cumplicidade e votos de amor eterno dão o tom da premiada autobiografia agora lançada no Brasil | Arquivo pessoal
Robert Mapplethorpe e Patti Smith: cumplicidade e votos de amor eterno dão o tom da premiada autobiografia agora lançada no Brasil (Foto: Arquivo pessoal)

Quem vê Patti Smith movendo-se descalça pelo palco, com seus cabelos desgrenhados e suas roupas escuras, vociferando versos intensos como os de "Horses", pode não imaginar a doçura que se esconde por trás de sua persona. Uma doçura que não é sinônimo de fragilidade, mas sim de uma serenidade adquirida ao longo de 63 anos de uma vida repleta de percalços e perdas.

A primeira delas foi a do amigo, amante e alma gêmea artística Robert Mapplethorpe, fotógrafo nova-iorquino que morreu em 1989, aos 43 anos, vítima de aids. Depois, foi-se seu marido – o guitarrista Fred "Sonic" Smith, da lendária banda MC5 – e seu irmão Todd, ambos mortos em 1994, inesperadamente, de ataque cardíaco.

Em homenagem a Fred e Todd, a cantora seguiu o conselho do amigo Michel Stipe (R.E.M) e retornou aos palcos – algo de que ela havia desistido após as mortes de seus entes queridos. Em tributo a Mapplethorpe, ela escreveu o poema épico The Coral Sea (1996), também lançado em disco e, ao longo dos anos, tratou de cumprir uma promessa feita no leito de morte do fotógrafo: a de que um dia escreveria um livro recontando a história do casal.

Graças ao cumprimento dessa promessa, Patti Smith foi premiada, na última quarta-feira (17), com o National Book Awards – um dos prêmios literários mais importantes dos Estados Unidos –, na categoria de não-ficção, pela autobiografia Só Garotos, lançada no início deste ano e que acaba de chegar às livrarias brasileiras pelas mãos da editora Companhia das Letras.

Às lágrimas, Patti enalteceu o valor dos livros em seu discurso na cerimônia de entrega do prêmio. "Não existe nada mais belo do que um livro, o papel, a fonte, o tecido", disse ela, encerrando com um apelo: "Por favor, não importa o quanto avancemos tecnologicamente, por favor, nunca abandonem o livro."

O apego da cantora pelo formato físico da literatura, ameaçado pelos chamados e-books talvez possa ser explicado por uma das passagens mais tocantes de Só Garotos. Aos 20 anos, após entregar seu primeiro filho para adoção por não ter condições financeiras de criá-lo propriamente, Patti deixou sua modesta família em Nova Jersei e partiu para tentar a vida artística em Nova York sem nenhum tostão furado no bolso. Em sua bagagem, apenas um exemplar roubado de Iluminações, livro do poeta francês Arthur Rimbaud (1854–1891). "Nós escaparíamos juntos", descreve.

Verão do amor

Rimbaud e um mendigo foram os únicos a acompanhá-la em seus primeiros dias na Grande Maçã. Enquanto Rimbaud a distraía da fome, o simpático morador de rua dividia com ela algumas poucas porções de comida. À noite, ela dormia em um canto qualquer do Central Park. No verão em que John Coltrane morreu e Jimi Hendrix ateou fogo em sua guitarra, Patti Smith conheceu o futuro fotógrafo Robert Mapplethorpe, sua primeira grande paixão.

Só Garotos é uma história de amor. Patti e Robert tinham pouco mais de 20 anos quando passaram a morar juntos, no Brooklyn e mais tarde no icônico Chelsea Hotel. Os dois enfrentaram juntos problemas típicos de qualquer casal "normal". No entanto, havia algo que os diferenciava dos demais: a arte.

Ambos sabiam ser predestinados para a carreira artística, compartilhavam influências e encorajavam-se mutuamente a transformar seus impulsos destrutivos em trabalhos criativos. No início, tanto Patti quanto Robert desenhavam. Aos poucos, os dois foram encontrando os meios pelos quais viriam a se tornar famosos: ele a fotografia, ela a música. "Fui a primeira modelo de Robert. Ele ficava à vontade comigo e precisava de tempo para aprimorar sua técnica", conta Patti, musa de Robert até em seus derradeiros retratos.

Robert, por sua vez, escrevia cartas e telefonava para Patti frequentemente para saber se ela continuava desenhando enquanto estava em turnê com sua banda. E Patti procurava entender os impulsos que levavam Mapplethorpe a escolher temáticas polêmicas para sua arte – religião e erotismo homossexual.

O casal ainda dividia o mesmo teto quando Mapplethorpe descobriu na homossexualidade sua realização íntima. "Eles passavam cada vez mais tempo juntos. Eu assistia a Robert se arrumando para sair como se fosse um cavalheiro saindo para a caça", conta ela, expressando sua mágoa diante do primeiro namorado de Robert. Eles acabaram se separando. Em 1979, Patti casou-se com o guitarrista do MC5 e trocou Nova York por Detroit. Mas os votos eternos de amor e devoção feitos quando ambos ainda eram só garotos permaneceram firmes. E agora dão origem a um retrato da vida de duas pesonalidades que deram novos sentidos à arte do século 20, com muita ousadia e, sobretudo, com muito amor.

Serviço: Só Garotos, de Patti Smith. Tradução de Alexandre Barbosa de Souza. Companhia das Letras. 264 págs. R$ 39.

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