
Um dos livros mais contundentes de Henry James (1843 1916) dá início à leva de lançamentos que marcam o aniversário de dez anos da Cosac Naify.
A Fera da Selva ganha uma edição tão elaborada que não seria mal se viesse acompanhada de uma pequena explicação, como se fosse uma obra de arte exposta em um museu.
O livro faz parte da chamada Coleção Particular, que lançou Primeiro Amor, de Samuel Beckett, e Bartleby, o Escrivão, de Herman Melville. Ambos são o que se pode chamar de livros conceituais. A partir de Bartleby, a série definiu sua identidade: de alguma forma, procuraria traduzir o espírito do texto no suporte que o abriga (o livro).
Foi assim que a arquiteta Luciana Facchini, depois de várias discussões com a equipe de produção e de experiências na gráfica, chegou ao formato final. "O posfácio do Modesto (Carone) foi definitivo para o design do livro", explica Luciana.
Conhecido como tradutor de Franz Kafka, Carone defende que o conto A Fera da Selva, escritor em 1903, promove a renovação da história de amor. Num dos momentos mais inspirados de sua crítica, ele analisa os nomes dos personagens John Marcher e May Bartram. Ao se reencontrarem na Inglaterra, ele não lembra da primeira vez em que conversaram, na Itália, enquanto ela recorda de vários detalhes, inclusive o segredo confidenciado por Marcher.
"O fato de ele ser Marcher, nome contíguo ao mês de março (March) e de miss Bartram chamar-se May (maio) alimenta a flama simbólica do entrecho como a tocha de um acendedor que transforma em chamas, um por um, uma longa fileira de bicos de gás. (...) Veja-se que o lapso de tempo entre março e maio é coberto pelo mês de abril, o que leva o leitor a esperar a irradiação plena da primavera e as promessas que ela traz", escreve Carone.
O que James faz é frustrar exatamente essa expectativa primaveril porque "a novela é dominada em larga escala pelo outono e pela luz que ele espalha".
O clima do texto é outonal e o enredo parece assombrado pela obsessão de Marcher, ligada à confidência que fez a May de que seria vítima de uma tragédia capaz de afetar sua vida para sempre.
A espera pela tal tragédia assombra a história como uma fera na selva e, aos poucos, estabelece um clima de tensão que se acentua a cada página. Ao mesmo tempo, as folhas do livro vão se tornando mais pesadas (a gramatura do papel aumenta aos poucos) e mais escuras, os tipos (letras) ganham uma tonalidade prateada e o espaço entre as linhas vai diminuindo. A idéia desses recursos gráficos é acompanhar a angústia da narrativa e dos personagens.
May promete vigiar a rotina de Marcher para avisá-lo sobre qualquer aberração que perceber. Marcher acredita que ela é capaz de dar a resposta que ele tanto busca, mas não consegue evitar a tensão de não saber o seu destino.
Com o passar do tempo, os dois cultivam uma amizade, e May precisa entender que a paixão que sustenta por Marcher não é suficiente para fazê-lo se desvencilhar da obsessão que o atormenta. No fim, ele finalmente vai descobrir qual foi a catástrofe que atingiu sua vida e aí será tarde demais.
* * * * *
Serviço: A Fera da Selva, de Henry James (Cosac Naify, 96 págs., R$ 32).



