
Ela, filme que deu neste ano o Oscar de melhor roteiro original ao diretor norte-americano Spike Jonze, é uma obra desafiadora em vários sentidos. E assisti-la (ou revê-la), com toda a calma, em DVD ou Blu-ray, pode torná-la ainda mais instigante.
À sua maneira introspectiva e delicada, Ela faz o espectador primeiro sentir e, depois, refletir sobre o significado da jornada emocional do protagonista Theodore Twombly (Joaquin Phoenix, contido e magistral), que, em certa medida, vivencia muitas das aflições e inquietudes da vida contemporânea. Impossível não nos enxergarmos um pouco (ou muito) nele. Portanto, trata-se de uma obra que permite revisitas e novas leituras, porque depende muito do nível de interação que com ela se estabelece.
Theodore vive em um futuro indeterminado, numa Los Angeles transfigurada, agora verticalizada por grandes arranha-céus, mas bastante distante da cidade apocalíptica e sombria, tomada por máquinas, vista em clássicos da ficção científica como Blade Runner O Caçador de Androides, de Ridley Scott, e O Exterminador do Futuro, dirigido por James Cameron. Não deixa de ser uma distopia, porém bem mais sutil.
A vida de Twombly está em crise. Depois de passar por uma separação traumática, e indesejada, ele, aos poucos, vai se retirando do mundo, embora permaneça funcional: ganha a vida escrevendo cartas e mensagens, transformando em textos escritos em primeira pessoa emoções que não são suas.
Apesar de não ser um misantropo, ele vê seu círculo de amigos se reduzir e sua vida só volta a ganhar brilho quando encontra Samantha.
Ela é jovem, alegre, afetuosa e capaz de fazê-lo recuperar a vontade de levantar da cama e enfrentar o dia a dia. O problema é que Samantha não é uma pessoa, mas um software comprado, um sistema operacional que, por ironia, o faz recobrar sua humanidade. Uma voz (da atriz Scarlet Johansson, que substituiu a da britânica Samantha Morton, depois de todo o filme rodado), que aos poucos vai ganhando subjetividade, na medida em que Theodore se apaixona.
Competente
Com um inventivo trabalho de direção de arte e figurinos, dentro de uma perspectiva de futuro algo retrô, como se pensado a partir de padrões estéticos dos anos 1970, Ela atesta não apenas o talento de Spike Jonze como cineasta (confira box nesta página), mas também como roteirista vale lembrar que seus dois primeiros filmes, os aclamados Quero Ser John Malkovich e Adaptação, não foram escritos por ele. Têm a assinatura de Charlie Kaufman, vencedor do Oscar por Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças, com o qual, coincidência ou não, Ela dialoga por também ser um híbrido de romance e ficção científica, propondo o uso de um dispositivo tecnológico para a resolução de problemas afetivos e existenciais.
Um filme sensorial (a trilha da banda Arcade Fire tem papel fundamental), que se apropria lentamente do espectador, para acompanhá-lo por muito tempo, Ela não discute se um dia as máquinas poderão pensar, mas se nós, recolhidos em nós mesmos, voltaremos a sentir. GGGGG




