
Há que se começar com um estorvo que pode ter ajudado a definir o resultado final desta resenha: a cópia do filme era em versão dublada, e este jornalista desavisado foi pego de supetão -- mas seguiu em frente. A Viagem Extraordinária, em cartaz nos cinemas desde a última quinta-feira, é um daqueles filmes que, aos poucos, constrói a jornada de um herói. No caso do novo longa de Jean-Pierre Jeunet (O Fabuloso Destino de Amélie Poulain), nosso herói é pequeno, frágil, superdotado e um tanto mentiroso.
T. S. Spivet (o surpreendente Kyle Catlett) é um garoto de 10 anos responsável por criar uma invenção que ressuscitaria Leonardo da Vinci: o moto-perpétuo, uma máquina capaz de gerar mais energia do que consumir, e funcionar eternamente ou ao menos 400 anos, um período "relativamente curto para o universo." Spivet vive com seu irmão gêmeo, a irmã adolescente fascinada por concursos de beleza; seu pai, um caubói durão (Callum Keith Rennie); e sua mãe (Helena Bonham Carter), meio ausente, em um rancho bucólico em Montana, no oeste dos Estados Unidos.
Desde os quatro anos, o menino demonstrou interesse por coisas não tão interessantes para uma criança da sua idade. Ele acompanha o percurso natural da água (e das lágrimas), calcula a velocidade em que anda em "passos por metros" e é ótimo em detalhes Spivet percebe sem grande dificuldade que seus pais quase nunca se olham.
O ápice de sua mente "criativa" é justamente a construção do moto-perpétuo, responsável por fazê-lo ganhar um importante prêmio e ser reconhecido pela comunidade científica. Spivet dribla seus medos e sua própria família e embarca, sozinho, num trem rumo a Washington.
É neste momento do filme que Jean-Pierre Jeunet dá as caras. Personagens imponentes (embora aqui não fantásticos), comuns nos excelentes Delicatessen e MicMacs, surgem aos borbotões destaque para o velhote simpático interpretado por Dominique Pinon, ator-fetiche do diretor francês.Ao chegar a Washington, Spivet é tratado com desconfiança, e, aos poucos, percebe que tudo, inclusive a homenagem que está prestes a receber, tem seu preço. É um conflito inocência versus mundo real, em que sabemos quem sai perdendo. Em se tratando de Jean-Pierre Jeunet, "A Viagem Extraordinária" é um filme menos exuberante e, talvez por isso, menos cativante. No fim das contas, a discussão, apesar da improvável façanha do garoto, é sobre sentimentos e relações familiares, às vezes abaladas por sonhos, acidentes trágicos e desentendimentos incontornáveis. GGG



