
Curitiba, 1950. Sábado à tarde. Os casais escolhem a melhor roupa, lustram os sapatos, combinam adereços e chapéus. Assim, impecáveis, rumam à chique Avenida Luiz Xavier para conferir as vitrines iluminadas e encontrar os amigos na confeitaria Berberi para um chá. Quando finalmente soa o gongo que anuncia o início da sessão, todos se encaminham às filas dos cinemas Arlequim, Ópera ou Palácio.
Esses eram os chamados cinemas "majestosos", que atraíam, pela suntuosidade e localização central, frequentadores da elite curitibana. Mas também havia os cinemas de bairro, com ingressos mais baratos, considerados de segunda categoria, os chamados cinemas-poeira, como o Morgenau (antigo bairro Vila Morgenau, atual Cristo Rei), o Guarani (Portão), o Picolino (Juvevê) e o Ribalta (Bacacheri).
A história do tempo em que flanar pela Rua XV era parte integrante da sessão-pipoca é contada pelas jornalistas Luciana Cristo e Nívea Miyakawa no livro-reportagem 24 Quadros Uma Viagem pela Cinelândia Curitibana, que será lançado hoje, às 19h30, na Cinemateca de Curitiba. Originado do projeto de conclusão de curso de Jornalismo realizado por Luciana e Nívea na Universidade Federal do Paraná (UFPR), o livro foi produzido por meio do Mecenato Subsidiado, uma das leis municipais de incentivo à cultura, e sai com selo da Travessa dos Editores, como parte da coleção A Capital.
Em 24 capítulos inspirados no número de quadros por segundo na captação de imagens cinematográficas , elas narram episódios saborosos sobre a antiga Cinelândia curitibana, como costumava ser chamada a região da Boca Maldita e arredores, por abrigar os principais cinemas de rua da cidade entre as décadas de 1950 a 1970. A vontade de recuperar um período que começa a ser esquecido, pois já não faz parte da memória das novas gerações, surgiu durante uma expedição de Luciana ao Centro em busca da localização do Ópera para um trabalho da faculdade.
"Interroguei um grupo de senhores reunidos na Boca do Brilha, na Praça Osório, e eles começaram a me contar várias histórias. Fiquei ali, de ouvinte, por um bom tempo, e daí surgiu a sementinha que originaria a pesquisa", conta.
Para viajar no tempo, as jornalistas contaram com uma espécie de mentor: seu Jorge de Sousa, que morreu este ano, fundador do Cine Morgenau, um dos mais antigos do Paraná. "Ligamos para convidá-lo para o lançamento e descobrimos que ele havia morrido", contam entristecidas.
O octogenário aceitou conversar com as duas após certa relutância, em uma das sessões semanais que realizava na Biblioteca Pública, às terças-feiras agora encabeçadas por seu filho, que também se chama Jorge. "Ele dizia que muita gente vinha procurá-lo para entrevistas e depois sumia", conta Nívea.
Logo, abriu a guarda e decidiu convidá-las para um dos encontros mensais que organizava (e o filho ainda segue realizando, semanalmente) com um grupo de amigos no Cine Morgenau o espaço ainda resiste com a exibição de filmes pornôs, agora à Rua Conselheiro Laurindo, 1.010, após inúmeras mudanças de endereço. "Enquanto eles conversam sobre cinema, dá para ouvir os sons dos filmes exibidos na sala ao lado", divertem-se.
Ali, conheceriam outros personagens fundamentais para a exibição cinematográfica no Paraná no século passado como o gerente e administrador de cinemas Zito Alves (que morreu em 2008, com 83 anos), "o grande incentivador de todos do grupo", e o dentista e fanático por cinema Harry Luhm.
É de Luhm, aliás, alguns dos episódios engraçados do livro como a primeira sessão de cinema "perfumada" de que se tem notícias na cidade. "Seu pai, Erich Luhm, dono da famosa perfumaria Lá no Luhm, queria divulgar a última fragrância de Helena Rubinstein e teve a ideia de borrifá-la na sessão de inauguração do Cine Luz, no dia 16 de dezembro de 1939", contam. A iniciativa fez sucesso e Erich recebeu os cumprimentos, por carta, da própria perfumista norte-americana.
O Cine Luz, aliás, que se localizava próximo à Praça Zacarias, carrega duas ironias tristes. A primeira, anedótica, diz respeito ao fato de que, apesar de ter sofrido diversas inundações causadas pela canalização do Rio Ivo, o cinema teve seu fim provocado por um violento incêndio. A segunda, de tintas mais dramáticas, já que a sala da Fundação Cultural de Curitiba batizada de Cine Luz, em homenagem ao primeiro, fechou suas portas em 12 de novembro de 2009 restando apenas a Cinemateca de Curitiba entre as salas da Prefeitura.
SERVIÇO:
24 Quadros: Uma Viagem pela Cinelândia Curitibana (Col. A Capital, Travessa dos Editores, 168 págs. R$ 25. À venda nas Livrarias Curitiba). Lançamento, hoje às 19h30, na Cinemateca de Curitiba (R. Carlos Cavalcanti, 1.174).






