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 | Antonio Costa/ Gazeta do Povo
| Foto: Antonio Costa/ Gazeta do Povo

O leitor no centro da discussão

Desde a metade da década de 1990, o jornalismo definitivamente nunca mais foi o mesmo. A partir do advento da internet o impresso transformou-se aos poucos, mas de maneira irreversível. A rede, em tese, viabilizou a qualquer pessoa a possibilidade de produzir notícia – e isso é apontado como um marco pela professora da Pós-Graduação em Comunicação Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Ivana Bentes. "Com a internet, o leitor tornou-se produtor de informação", observa Ivana, que vai mais longe e afirma: "Defendo o fim da exigência do diploma de jornalista. Todo mundo tem o direito de produzir informação."

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Nunca se leu tanto quanto hoje

O jornalismo de hoje é melhor do que o do passado. O jornal impresso não vai acabar. Os adolescentes e os jovens são leitores. Eis alguns pontos de vista defendidos por Carlos Costa, de 59 anos. Paranaense de Londrina, ele é doutor em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Dirigiu as revistas Playboy, Quatro Rodas e Elle, da Editora Abril. Em Buenos Aires, esteve à frente da Editorial Primavera, do Grupo Abril. Edita as revistas Diálogos&Debates, da Escola Paulista da Magistratura, e Getulio, do programa FGlaw, da FGV. Jornalista formado pela Faculdade Cásper Líbero, onde leciona História da Comunicação, Design Gráfico e Jornalismo em Revistas, Costa concedeu entrevista à Gazeta do Povo.

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A crise que afeta grandes empresas jornalísticas norte-americanas, como é o caso do jornal The New York Times, já sugeriu um "tremor de terra": a extinção dos jornais impressos. O NYT chegou a hipotecar o seu prédio-sede, em Manhattan. A Tribune Co., proprietária dos jornais Los Angeles Times e Chicago Tribune, enovelada em uma dívida que beira os US$ 13 bilhões, apelou para a concordata em busca de algum oxigênio e sobrevida. E tem mais: a expansão da internet, sobretudo na última década, foi lida como fato que corroboraria a tese de que os diários veiculados em papel estariam com os dias contados.

Há uma crise? Sem dúvida. Mas, de acordo com jornalistas, professores universitários e estudiosos do assunto consultados pela Gazeta do Povo, os impressos terão vida longa. A situação norte-americana, garantem os especialistas, é específica. Diz respeito a um jornalismo de grandes corporações, que enfrenta a ressaca da bancarrota do sistema especulativo. Se o NYT (que tem ações na Bolsa de Valores) vai mal, isso não quer dizer que um jornal, de pequeno ou médio porte, de Dakota do Norte esteja à beira da falência. A internet pode vir a representar uma ameaça aos impressos (se é que realmente significa isso), principalmente nas terras do Tio Sam, onde o acesso à web é infinitamente superior ao que ocorre por aqui.

Por falar em Brasil, a circulação de jornais no país, diferentemente do que acontece nos EUA, pulsa em outra vibração. Em 2005, o crescimento em relação ao ano anterior foi de 4,1%. Em 2006, 6,5%; em 2007, 11,8%; e, em 2008, 5%. Hoje, há 3 mil jornais impressos no Brasil – 500 deles são diários.

"O futuro é promissor." Essa é a percepção dos profissionais de imprensa entrevistados pela reportagem. Se o impresso não está condenado a desaparecer, surge outra dúvida: como está o jornalismo atualmente? O ombudsman da Folha de S.Paulo, Carlos Eduardo Lins da Silva, avalia que o noticiário impresso em geral, no mundo e no Brasil, não vai bem. "Ele é chato, previsível, repetitivo, superficial e atrasado." Paco Sancho, professor da Universidade de Navarra, na Espanha, discorda: "O jornalismo, sobretudo no Brasil, vai muito bem. Inclusive, é um dos melhores do mundo." Esse contraste radical de pontos de vista evidencia que é preciso mirar – com alguma atenção – para nuances dessa atividade que já foi batizada de "o quarto poder".

Um novo tempo

Em 1950, os jornais curitibanos, incluindo a Gazeta do Povo, noticiavam as parciais dos votos apurados nas urnas, dia após dia, como se fosse uma novela, até finalmente, quase uma semana depois, divulgar que o eleito, em questão, seria (como de fato foi) Bento Munhoz da Rocha Netto. Obviamente, em pleitos recentes, os impressos diários informam, já no dia seguinte, o nome do vencedor de uma disputa eleitoral. Mesmo durante uma eleição, rádio, televisão e o próprio jornal, por meio de sua página na internet, já oferecem as informações preliminares. Os tempos são outros e não basta apenas "dar" a notícia. É preciso de algo mais.

"No impresso, o ‘furo’ acabou." Quem afirma é a jornalista e professora do Departamento de Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUCRJ) Carla Rodrigues. Mas se o "furo", notícia exclusiva e em primeira mão, não teria mais vez nos impressos, uma vez que os jornais são "furados" por internet, rádio e televisão, qual seria a estratégia para seduzir leitores?

"Tem de produzir notícia inteligente", afirma Eugênio Bucci, que leciona na Universidade de São Paulo (USP), assina colunas para O Estado de S.Paulo e participa do conselho da Fundação Padre Anchieta. Notícia inteligente, no entendimento de Bucci, consiste de, por exemplo, diante de um fato como uma queda na Bolsa de Valores, explicar o sentido e o que o acontecimento representa. "É preciso analisar detalhadamente o significado dos fatos, e não apenas noticiá-los", diz.

A chamada notícia inteligente também pode ser um sinônimo para as matérias especiais, as grandes reportagens, receita para o "fazer jornalismo" sugerida pelo veterano jornalista Ricardo Kotscho, que foi secretário de imprensa do presidente Lula, e hoje é repórter da revista Brasileiros. "Não tem crise nenhuma. Sabe qual é o problema? Falta vontade, desejo, tesão. E sem tesão, não existe reportagem", opina. Kotscho, com a experiência de ter atuado nos principais impressos brasileiros, observa que jornais e revistas precisam não apenas de bons conteúdos extensos, mas também de muita intensidade, consistência e qualidade. Até nas notas breves. "Jornalismo, no fundo, é novidade. É preciso ter uma boa história para contar."

Além das aspas

Revolução de conteúdo. Essa é a proposta de Carlos Alberto Di Franco, diretor do Master em Jornalismo, do Instituto Internacional de Ciências Sociais, em São Paulo, para essa atual falta de norte dos impressos. Ele não aceita que os jornais ("de papel") sejam pautados pelo noticiário de tevê. "Deveria ser o contrário." Para Di Franco, a revolução de conteúdo prevê a superação de um problema gravíssimo: o declaratório. "No jornalismo, valoriza-se demais, e publica-se muito, as frases, por exemplo, de políticos. Político diz o que quer e, não raro, inventa e emplaca fatos que não se sustentam. Cabe ao jornalista ‘digerir’ o assunto e apresentá-lo, até mesmo a partir de uma leitura crítica, ao leitor ", recomenda.

O jornalismo refém das aspas – "Fulano disse isso", "Beltrano disse aquilo", "Já Belbetrana discorda" – também é apontado pelo professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Elias Machado como um dos males da atividade. Mas, leitores e leitoras da Gazeta do Povo, a exemplo do que diz Machado – e muitos outros – o jornalismo não vai, necessariamente, mal, apenas atravessa um período de transformações.

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