Figuras públicas evitam falar de religião a todo custo. As exceções, aqueles que berram sua fé a quem quiser ouvir, quase sempre o fazem com segundas e terceiras intenções. George W. Bush é bastante criticado por evocar o nome do Criador a fim de legitimar sua guerra contra o terror.
Graças a figuras como o presidente americano é difícil ouvir uma personalidade falar de suas crenças ou da falta delas, usando o nome Dele de tudo quanto é jeito. Causa um certo estranhamento, como se não parecesse correto inserir a religião na política, na literatura ou na arquitetura.
O cineasta Antonio Monda, a partir de uma idéia desenvolvida para o jornal italiano La Repubblica, decidiu encarar as dificuldades que o tema impõe e acabou convencendo 18 personalidades da cultura americana a conversar sobre fé. As respostas, reunidas em Deus e Eu Conversas sobre Fé e Religião, vão de evasivas a comoventes, sem deixar de lado a complexidade de idéias que envolvem a vida após a morte e a criação.
O autor defende a sua lista de interlocutores como sendo de pessoas respeitadas em seus meios de atuação e, de alguma forma, ligadas aos EUA. Na verdade, a escolha é um tanto aleatória e mais da metade dos entrevistados (confira lista nesta página) vive em Nova Iorque ou estava de passagem pela cidade quando conversou com Monda. Ele próprio, residente da metrópole há 12 anos.
Professor de direção cinematográfica na Universidade de Nova Iorque, organiza eventos para o MoMA (Museu de Arte Moderna) e escreve sobre cultura para publicações italianas. Sem esquecer, claro, o fato de ser católico, apostólico, romano.
"Cada escolha singular (existencial, artística, política) emana diretamente, e imprescindivelmente, da resposta que foi dada à grande questão", escreve na apresentação do livro. "As pesquisas e os encontros convenceram-me, posteriormente, de que a existência de Deus representa a maior das questões, aquela da qual todas as outras descendem."
De modo geral, é possível que as conversas se beneficiassem de uma "atmosfera" mais apropriada, com o entrevistado entrando aos poucos no assunto efeito que Monda consegue quando fala da família, da infância e só então chega à fé. Em alguns casos, ele faz a "grande pergunta" muito abruptamente, sem contextualizá-la. Chega a começar entrevistas lançando: "Você acredita em Deus?".
Questionados à queima-roupa, parte dos pensadores (12 escritores, três cineastas, uma atriz, um historiador e um arquiteto) acaba se retraindo e dando respostas receosas, formuladas com um cuidado excessivo. Porém, os diálogos são muito estimulantes com ou sem atmosfera.
O escritor Michael Cunningham demora a preparar caminho e, enfim, diz: "Suspeito de que existam relações profundas e ainda não descobertas entre Deus e os princípios da física. E eu acredito na física".
A questão por si só é complicada e até desagradável para alguns autores. "Mas por que você continua a querer falar nisso?", rebate Paul Auster quando Monda introduz religião na conversa. Os dois são amigos há anos e o italiano consegue arrancar do escritor uma das respostas mais diretas do livro à questão da existência de Deus. "Não. Não acredito. Mas isso não quer dizer que não considere a religião um elemento culturalmente fundamental da existência."
Curioso é que mesmo os crentes uns quatro ou cinco do total de 18 (não dá para saber com certeza porque vários parecem não ter convicções da existência nem da inexistência de um ser superior) , fazem ressalvas ao assumir que acreditam.
"Creio que creio", diz Derek Walcott. "Creio em uma inteligência interessada naquilo que existe e respeitosa daquilo que criou", afirma Toni Morrison. Uma das respostas mais serenas ("Sim, por certo.") partiu de Elie Wiesel, escritor sobrevivente dos campos de concentração.
Informação que pode surpreender é a religiosidade de David Lynch, diretor de filmes bizarros que passam longe de temas transcendentais. "Cada um tem dentro de si a potencialidade da revelação e a capacidade de intuir a existência do divino", explica o cineasta, praticante de meditação e influenciado pelo guru Maharishi Mahesh Yogi, célebre por ter sido inspiração para os Beatles.
Lynch, Jane Fonda e Spike Lee são exemplos de pessoas que se dizem crentes, mas rechaçam as instituições religiosas. Eles representam o tipo de fé "new age" censurada por Monda, adotada por pessoas que pegam das religiões aquilo que querem e ignoram o que não as interessa.
"Sempre achei pouco convincente a posição daqueles que reconhecem a existência de Deus, e a divindade de Cristo, mas contestam (ou mesmo desprezam) a Igreja", escreve.
No afã de doutrinar, Monda não resiste a passar um sermão ou outro durante as entrevistas e leva uma baita invertida da escritora Paula Fox. Na condição de repórter e para pressioná-la, cita que 90% das pessoas se declaram crentes em Deus nos EUA. Ela rebate com a estatística segundo a qual 60% dos americanos acreditam que o Sol gira em torno da Terra.
"Perdoe-me, mas o que tem a ver a fé com a ignorância?", questiona Monda.
"É uma pergunta legítima para um crente, mas não para uma atéia", responde Fox em um dos momentos antológicos de um livro repleto deles.
Serviço: Deus e Eu Conversas sobre Fé e Religião, de Antonio Monda (Tradução de Eliana Aguiar. Casa da Palavra, R$ 29,90).



