
2015 tem sido um ano difícil para Zeca Pagodinho. Em janeiro, o cantor perdeu seu filho mais velho, Elias Gabriel, aos 28 anos. Dois meses depois, perdeu o pai Jessé Gomes da Silva, 87 anos, de quem herdou o nome. Zeca admite que precisou assimilar o golpe.
“No início pensei em parar com tudo. É muita porrada pra um cara só. Mas, depois, vi que não dava para ficar em casa pensando em quem morreu e reclamando de dor na coluna”, diz.
Numa sala na sede da sua gravadora Universal Music, na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, Zeca recebeu a Gazeta do Povo segurando no colo sua netinha, Catarina, de 11 meses, e explicou que ela foi fundamental na “volta por cima” que planejou após o luto.
Em abril, Zeca reuniu sua equipe fiel para fazer o fazem como ninguém no Brasil: gravar um disco de samba. “Pensei assim: ‘eu vou é pro estúdio, vamos trabalhar que agora o momento ruim tem que acabar’. Se tem gente indo embora, tenho meus netos aqui e eu não posso parar. Se eu parar, aí ferrou tudo de vez”, explica.
Assim nasceu o álbum Ser Humano, 23.º disco individual da carreira. E que tem todos os ingredientes e temperos que o transformaram no nome mais importante do samba no país. Da produção grandiosa, a capacidade de recolher o ouro na peneira de compositores que vivem nos subúrbios do Rio de Janeiro e nos intervalos de seus discos, trabalham em canções para o repertório do cantor.
“Isto é verdade. Hoje, além de trabalhar muito em muitas outras coisas, eu desanimei um pouco de fazer minhas músicas porque o compositor ficou órfão no Brasil”, avalia.
“Houve um tempo que dava pra achar fácil dez cantores para lançar músicas: Alcione, Neguinho da Beija Flor, Mussum, Roberto Ribeiro, Bezerra da Silva...Hoje vai gravar com quem? Quem está segurando essa onda sou eu”, diz.
O sambista Monarco, baluarte da Velha Guarda da Portela, e que visitava o compadre e parceiro de longa data na hora da entrevista, assina embaixo. “O Zeca é um cara 100%. Ele sempre dá um jeitinho e acomoda todo mundo. Se precisar, tira uma música dele e põe uma tua”, diz Monarco. Em resposta, Zeca brinca: “Só quem chega direitinho. Tem que ser coisa boa. Menos as músicas do Monarco: eu gosto das coisas dele antes de ouvir”.
No novo disco, apenas uma das composições tem a assinatura de Zeca , o samba “Foi Embora”, em parceria com Arlindo Cruz e Sombrinha. De resto, o disco traz 13 sambas assinados por “fornecedores” recorrentes como Luiz Grande, Almir Guineto e Marcos Diniz ou nomes novos como Kiki Marcellos e Juninho Tybau. Os temas são a celebração da vida simples e boêmia, a arte de ser feliz com pouco dinheiro e muito apoio dos amigos e da família.
Há também a clássica canção sobre algum tipo humano que todos conhecem (no caso o fofoqueiro em Boca de Banzé) e as canções de amores difíceis que se resolvem com o perdão de uma das partes. Zeca disse que não se incomoda que digam que ele repete fórmulas que deram certo a cada disco que lança. “Roberto Carlos está por aí há 50 anos cantando as mesmas coisas. No disco e nos shows, uso o que sei que meu público gosta e quer ouvir”, defende.
A entrevista com Zeca aconteceu na última quarta-feira (29 de abril), no exato momento em que a ação policial reprimia os manifestantes no Centro Cívico. Zeca viu algumas das fotos do confronto e ficou chocado. “Como é que pode isso? Às vezes eu nem reconheço mais o Brasil. Hoje em dia os caras batem até em mulher...”, diz. “Antigamente, a gente tinha outro tipo de respeito. Mesmo nas piores bocadas. Por isso uma música como Ser Humano é importante para o momento. Além de ser boa, tem uma mensagem: vamos recuperar o respeito um pelo outro, vamos pegar leve.”
A música-título e as demais são arranjadas por músicos como Rildo Hora, Paulão 7 Cordas ou Mauro Diniz numa banda que escala a nata dos músicos do país .
A direção artística é de Max Pierre, lendário produtor brasileiro cujo dedo se percebe em discos de sucessos de artista como Elis Regina, Xuxa, Caetano Veloso, É o Tchan e até do disco O Circo Está Armado, da curitibana Relespública (2000). Pierre trabalha com Zeca há mais de 20 anos e hoje é sócio da produtora Zecapagodiscos.
“Meu samba depois dele ganhou outra qualidade. O samba tinha aquele arranjo pequenininho, mas com ele ganhou este ‘chiquê’. Ele sempre disse ‘deixa o Zeca fazer o que quiser, independente do preço’. O samba tem que ficar bacana”, diz.
Na verdade, foi Zeca quem conquistou o poder de fazer o que quer, pois seus discos vendem em média 400 mil cópias há 30 anos.
Hoje, ele é o principal nome da Universal Music, maior selo do país – para o qual trabalham Seu Jorge e Marisa Monte, entre outros.



