
Levando-se em conta o empenho que o Instituto Moreira Sales vem tendo para formar um acervo de fotos que já teria mais de 500 mil itens, faz sentido que parta desta instituição com sede no Rio de Janeiro a iniciativa de editar uma revista sobre fotografia. Zum é semestral e o primeiro número saiu em outubro.
São 190 páginas que vão direto ao ponto: é uma publicação de e sobre fotografias. O "de fotografia" está bem defendido por 11 ensaios e o "sobre fotografia" aparece em textos que estimulam a reflexão e a curiosidade sobre a atividade. Os textos têm função importante nesta revista de imagens e não só pela escolha de autores com boa reputação inclusive na literatura. Mas principalmente porque os artigos aparecem estrategicamente de forma a não permitir que o leitor desfrute das imagens sem ver os aspectos menos palatáveis que a beleza esconde.
No caso das fotos dos prisioneiros do campo de detenção do Khmer Vermelho em Phnom Penh, no Camboja, o texto é praticamente uma reportagem de Hugo Mader, que descreve as circunstâncias em que os retratos foram produzidos (na chegada dos prisioneiros, que seriam mortos) e apresenta o curioso personagem que as fotografou, um homem chamado Nhem En. A simples exposição das fotos como representações pictóricas interessantes ou por que não? bonitas seria inconsequente considerando-se que os cerca de 6 mil fotografados foram brutalmente assassinados. Daí a necessidade de juntar um relato detalhado sobre as circunstâncias em que as imagens foram feitas, que aprofunda a compreensão do horror escondido pelas fotografias da coleção de Nhem En.
Outro caso em que o texto ajuda a descobrir a história ocultada pela qualidade técnica das imagens é a entrevista com Bernd e Hilla Becher, que durante 50 anos fotografaram estruturas industriais. O casal de artistas alemães descreve seu espanto ao perceber que, mesmo vivendo em sociedades industriais, os europeus preferiam ignorar as estruturas fabris. Ou seja, a sociedade se reorganizou em torno das indústrias, mas ainda as tratava como algo feio, a ser escondido ou esquecido.
Há também nesta primeira edição de Zum trabalhos atuais, como o do brasileiro Luiz Braga, que fotografou a floresta amazônica usando o infravermelho de uma câmera digital para cenas noturnas e filtros polarizadores que tiram as cores e dão uma frieza surreal à floresta. Com isso, imagens rotineiras da vida ribeirinha se transformam em cenas de um pós-apocalipse amazônico. Dos americanos Michael Wolf, Jon Rafaman e Doug Rickard há imagens capturadas pelos carros do Google Street View que circulam pelas cidades do mundo. Reenquadradas e ampliadas, elas se transformaram em instantâneos marotos.
O trabalho mais provocador desta primeira edição da revista é a sequência de imagens feitas pelo japonês Kohei Yosshiyuki em parques de Tóquio. Ele registrou casais que se aproveitam da escuridão da noite para encontros sexuais e voyeurs que os observam. E vão além, conforme conta o texto do escritor Bernardo Carvalho que apresenta as fotos. Os voyeurs se aproximam e chegam a tocar os casais, deixando a dúvida: eram eles voyeurs ou os casais é que eram exibicionistas?
A revista parecia ter sido pensada para um público atraído por fotografia, mas não necessariamente envolvido com sua produção. O conjunto da primeira edição é acessível, ainda que sofisticado. Bom exemplo dessa combinação é o depoimento de Henry Cartier-Bresson em que o fotógrafo mais célebre do século 20 fala de como treinou seu olhar, de composição, temas e fotojornalismo.
Serviço:
Revista Zum. Editora do Instituto Moreira Sales, 192 págs. R$ 38 (em Curitiba pode ser encontrada na Livraria Letra e Arte ou no site da Livraria Cultura). Fotografia.





