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O Natal racial dos hipócritas
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Um desses personagens que cuidam de suas redes sociais como se cuidassem de um filho chamou a atenção de todos no Natal. Informando que sua filha tinha medo de Papai Noel branco, ele contratou um negro para fazer o papel do bom velhinho. O referido personagem se considera um crítico do racismo.

Talvez ele esteja um pouco confuso quanto à diferença entre crítica e apologia. Normal. É mesmo uma diferença sutil, como a que distingue o amor e o ódio. Tudo muito parecido, ainda mais no mundo fugidio das redes sociais. Ali é tudo preto no branco, mas se for branco no preto ninguém vai notar.

Pois bem: o diligente manifestante contra o racismo, que é branco e adotou uma menina negra, divulgou que a filha se sentiu melhor diante de um Papai Noel da cor dela. A turma do Apartheid teve exatamente a mesma ideia: transformar a cor da pele em critério básico para a relação entre as pessoas – preto com preto e branco com branco, cada um na sua. A premissa da identidade racial como base social deu origem a um dos regimes mais desumanos da história, mas foi sem querer.

Veja como é difícil, na sofreguidão das redes sociais, distinguir um progressista de um reacionário.

Que tal imaginar um Natal na casa de um pai homofóbico? Ele também poderia dar uma adaptada na lenda – quem sabe substituindo as renas do trenó por cavalos, para que o filho não ficasse diante daquele desfile de veados. Se uma família veta o Papai Noel branco, a outra veta o Bambi. Cada um na sua.

Não há nada mais eficaz para se perceber uma alegoria idiota do que outra alegoria idiota.

Aí está o resumo dessa resistência de auditório ao racismo e demais causas politicamente corretas: um desfile de alegorias e adereços tão reluzentes quanto fajutos – e, naturalmente, inúteis para todos aqueles que os heróis de Facebook dizem defender.

Essa caçada sôfrega por uma etiqueta humanitária de 1,99 já produziu outras alegorias patéticas. Uma das mais famosas veio de uma personagem que também cuida do seu figurino heroico como se cuidasse de um filho – e, a propósito, não hesitou em transformar o filho verdadeiro em alegoria: por ele ser negro, declarou a mãe, as pessoas mudam de calçada ao vê-lo.

Impossível não lembrar de novo da turma do Apartheid diante de um depoimento que parece transplantar sumariamente o Brasil de hoje para a África do Sul do século passado. Impressionante.

De fato, esses pais histrionicamente engajados na luta contra o racismo estão ensinando seus filhos a mudarem de calçada ao avistarem um Papai Noel que tenha a cor da pele diferente da sua. Veja como os preconceituosos podem parecer quase inofensivos diante dos hipócritas.

Racismo é crime. Mas estimular o racismo fingindo combatê-lo está liberado – e aprovado como marketing pessoal.

Portanto, não fique aí parado. Impulsione você também sua carreira com alguma alegoria humanitária de auditório. É a maneira mais eficaz de ajudar, hoje em dia, a mais carente das minorias: você.

E agora feche os olhos que vamos citar o inimigo número um dos hipócritas: “Eu não vou chamá-lo de homem branco, e quero que você pare de me chamar de homem negro. Meu nome é Morgan Freeman.”

Mas se você estiver catando seu lixo ideológico por aí e der de cara com Morgan Freeman – ator consagrado sem favor demagógico nenhum –, não pergunte a ele qual deve ser a cor da pele do Papai Noel. A resposta poderia te deixar mais pálido que o bom velhinho. Melhor mudar de calçada.

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