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Foto de Antonio More - Gazeta do Povo
Foto de Antonio More - Gazeta do Povo| Foto:

Em seus próprios termos, muito particulares termos, não se pode negar que Jair Bolsonaro saiu-se bem no embate com William Bonner e Renata Vasconcellos, no Jornal Nacional. Se as entrevistas são batalhas, o candidato do PSL venceu a sua. Ciro Gomes perdeu a dele.

Ciro Gomes perdeu porque ficou no meio do caminho. Sua retórica belicista sempre lhe rendeu votos, mas restringia seu alcance. Quando cuidou de acalmar os nervos, murchou. O Ciro do Jornal Nacional exagerou no chá de camomila e foi um candidato castrado, desconfortável, morno. Nestas eleições, lutou como nunca e, espero, perderá como sempre. Graças a Deus.

Com Jair Bolsonaro foi diferente. Méritos à parte, e os leitores desta Gazeta sabem o que penso sobre seus méritos, ele deu o que em futebol chamamos de “nó tático” na bancada do JN. Ele e sua militância queriam que lhe fossem feitas aquelas perguntas. E os apresentadores fizeram exatamente aquelas perguntas.

Fiquei impressionado. Perderam-se na selva selvaggia da argumentação bolsonariana. Como João e Maria à procura de doces, trombaram com a bruxa. No caso, o bruxo.

Porque se você quer arrumar problemas para Jair Bolsonaro, não lhe faça perguntas sobre diferenças salariais entre homens e mulheres, homofobia, racismo, violência policial. Seu público espera pelo brilhareco oratório transformado em meme. As respostas mais ríspidas, as frases de efeito mais explosivas, as simplificações mais elementares. Quanto mais simples, melhor.

Não quero dizer com isso que o eleitor do Bolsonaro é, necessariamente, o pior eleitor que existe. Não afirmo que seu eleitor seja um maluco sexista, um supremacista branco, um saudoso da ditadura militar. Alguns são, porém não se trata apenas disso.

Trata-se do seguinte: entre a absoluta liberdade de costumes e o mais rigoroso moralismo, entre o machismo empedernido e o feminismo fanatizado, há nuances, claros-escuros, que parecem não ser captados pelo radar do mainstream jornalístico e intelectual.

O eleitor do Capitão pode não ser misógino, mas já não aguenta mais o artificialismo do discurso de igualdade de gêneros; quem vota nele não é o agressor de mulheres, mas aquele que já não quer saber de ressocialização de bandidos num país de 60 mil homicídios por ano; e também já aprendeu que direitos trabalhistas não significam mais trabalho, e sim menos.

Ele manipula muito bem certo capital simbólico e um conjunto de crenças e urgências que fazem sentido para muita gente. Fazem sentido porque de fato têm sentido. De certa maneira, a intelligentsia burguesa e universitária, liberal e progressista, perdeu o fio da meada cultural – e moral – da política. Não somente no Brasil, a propósito.

Transformar as pautas quentíssimas de Bolsonaro em declarações de guerra termina por confundir a visão de quem o tenta compreender e, portanto, neutralizar. Sua candidatura não é a melhor, os meios que imagina para resolver os problemas me parecem estúpidos ou vagos, mas seu sucesso indica problemas e demandas existentes.

Você não entrevista Jair Bolsonaro confrontando-o com o que, na sua opinião, ele tem de pior, porque onde você vê o pior, ele e seus eleitores veem o melhor. Não é o meu caso, sinto muito, concordemos em discordar sobre isso.

Para “matar” Bolsonaro, a entrevista deve ser fria. As pautas devem ser frias. Candidato, o que o senhor pretende fazer com a pequena margem orçamentária à disposição do presidente? Privatizaria mesmo todas as estatais? Qual é sua visão sobre a reforma tributária? Na reforma da previdência, quais são os critérios? Como se dará a negociação com o Congresso? O que tem a dizer sobre o voto distrital?

Perguntas assim forçariam Jair Bolsonaro a pensar um pouco, a ponderar para responder, a refletir sobre as várias possibilidades em jogo. E pensamento, ponderações e reflexão não costumam ser suas atividades desportivas prediletas.

Aconteça o que acontecer, Bolsonaro é um fenômeno político tão poderoso quanto Lula. Cada um à sua maneira, ambos souberam falar com seu público, manejar seus valores, alimentar suas expectativas, identificar seus inimigos.

O getulismo – nosso sebastianismo sem transcendência – ainda tem muito o que oferecer à história do país.

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