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Existem notícias, existem notícias falsas e existem notícias alternativas. O governo é especialista em fabricar as últimas. A polêmica em torno do contingenciamento de verbas destinadas ao MEC é, pra variar, mais uma dessas notícias alternativas. Tudo depende de como se encaixam os chocolatinhos na história: 3,5% do todo ou 30% da parte?

De acordo com o ministro da Educação, a economia incide sobre a reduzida parcela discricionária do orçamento. A maior parte não será nem poderia ser tocada: é folha de pagamento, dívidas, benefícios. Esse é o ponto: não pode haver contingenciamento no orçamento fixo. A poupança recai na volátil quantia destinada à pesquisa e à estrutura; sobre a parte, não sobre o todo, mas é justo sobre a parte que interessa na discussão – e é esse o cálculo que importa. São legítimas as preocupações de professores e estudantes.

Assim, a verdade é que a imprensa não mentiu nem distorceu coisíssima nenhuma. Tão somente fez o desagradável papel de imprensa – que é diferente daquele exercido pela assessoria de imprensa. (Muita gente distraída tem confundido as atividades e trocado uma pela outra.) Nem por isso deixo de reconhecer que o governo precisa reduzir o investimento público por certo período para cumprir a meta fiscal. Outros governos fizeram o mesmo, Dilma inclusive. Fique registrado nos autos aos desmemoriados seletivos.

Registre-se também que Abraham Weintraub errou quando quis associar o corte orçamentário à balbúrdia de estudantes em algumas universidades e, em seguida, quando tergiversou a respeito de cursos de filosofia e sociologia. Errou porque só depois de muito samba atravessado se dispôs a tratar da necessidade técnica de reservar parte do dinheiro. Devia ter começado pelo fim. O governo erra até quando acerta.

Resultado da bagunça? Democracia, aquela chatice. Manifestações volumosas contra a medida e, para não perder a viagem, contra o governo que a propõe. Por mais que tenham sido organizadas por sindicalistas, petistas, antibolsonaristas e espécimes semelhantes, é inegável que a quantidade de gente insatisfeita envia sinal de alerta: os “idiotas úteis” são em número maior do que o esperado. Há mais coisas em jogo, só não vê quem não quer, o asfalto está quente. Quem com a rua fere, com a rua será ferido.

Bolsonaro se elegeu dançando sobre o caos, sem chão político sobre o qual pisar. Seu partido é um saco-de-gatos, suas alianças são de ocasião, sua agenda foi arranjada às pressas, sua habilidade de negociar é nenhuma. Aproveitou o vácuo deixado pela Lava Jato, apresentou como nova uma candidatura velha e, depois de sonhos intranquilos, acordou metamorfoseado num terrível presidente.

Duvido que ele acreditasse em si mesmo. Acontece que ganhar é fácil, governar é difícil, e o mesmo caos que o elegeu pode devorá-lo. Dizia Nietzsche: quando você olha para o abismo, o abismo olha para você. Em períodos recessivos, o contingenciamento se justifica. Menos o contingenciamento da razão.

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