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Trump em discurso durante campanha na CNN Divulgação
Trump em discurso durante campanha na CNN Divulgação| Foto:

O filósofo colombiano Ricardo Velez Rodriguez será o Ministro da Educação no governo de Jair Bolsonaro. Alguma objeção? Nenhuma, por enquanto. Até porque realmente deposito pouca fé nos poderes demiúrgicos do Estado e de quem se dependura nele. E, se ele for ruim, é importante lembrar que tivemos o insuperável Fernando Haddad no MEC.

Não obstante, um detalhezinho chama a atenção: sua posição ideológica – ou, como queiram, filosófica – mais ampla. Conservador à brasileira na cultura, liberal na economia e… crítico ferrenho de Donald Trump, que supostamente defende conservadorismo e liberalismo. Destaco e comento alguns trechos de um artigo seu, publicado em 2016, na Revista Amálgama. Apenas dois aninhos atrás. Palavras dele, destaques e comentários meus.

 

“O pior da América Latina chegou aos EUA com Trump”

Parece que a doença populista migrou da nossa combalida América Latina.

 

Título bastante sugestivo, pois não?

 

Na atual campanha presidencial americana, os “rios profundos” (para utilizar a imagem de Alcides Arguedas, o grande romancista peruano) correm em direção paralela à da saída do Reino Unido da União Europeia. A globalização está sendo questionada pelo eleitorado americano, que espera maior atenção para as questões internas. Essa seria a linha de continuidade entre as plataformas dos candidatos.”

 

Notem que ele parece confundir globalização com globalismo. De acordo com os entendidos, globalismo não é globalização, e Velez Rodriguez aparentemente não distingue uma coisa da outra. Analistas conservadores explicaram a vitória de Trump como uma reação ao globalismo, à burocracia meta-estatal e meta-capitalista, que pretende usurpar a autonomia dos países para colocar em seu lugar um governo mundial (globalismo) ou coisa semelhante. Para o filósofo colombiano, Trump venceu porque a “maioria silenciosa” rejeita a globalização.

 

(…) Hillary é a preferida de Wall Street, na medida em que pretende fazer essa correção de rumo de maneira não traumática, preservando o diálogo com as grandes forças do mercado financeiro americano e mundial. Mas que haverá, com ela, mudanças, certamente isso ocorrerá. Ora, esse alinhamento com as forças do mercado financeiro faz de Hillary a candidata preferida, quem diria, dos próprios republicanos alinhados com Wall Street!

A principal mudança será a taxação aos mais ricos, aqueles que faturam mais de um milhão de dólares ao ano. Com o montante arrecadado, Hillary pretende financiar a renovação da infraestrutura americana que precisa de consertos. E fará essa tarefa num clima de keinesianismo moderado, abrindo frentes de trabalho que beneficiarão os desempregados americanos. Essa medida, é claro, arrepia o lombo do rebanho republicano e agrada muito aos democratas. Mas, nas atuais circunstâncias, com o doido Trump falando besteiras à torta e à direita, certamente Hillary, para os tradicionais republicanos, é um mal menor. Hillary, aliás, nas pesquisas eleitorais dos estados decisivos nesta última fase da corrida à Casa Branca, voltou a recuperar a vantagem sobre seu concorrente. Os eleitores americanos respiram aliviados. E nós, no Brasil, também.”

 

De acordo com seu diagnóstico, Hillary era a preferida de Wall Street. Muito bem, isso corresponde à interpretação neoconservadora da geopolítica: o mercado financeiro paga as contas do esquerdismo global. Portanto, que ela seja ou tenha sido a preferida dos meta-capitalistas não surpreende; faz sentido. O problema é que o filósofo avança e diz também que ela era preferida dos republicanos tradicionais, que Trump é um doido varrido, que ela seria um mal menor e que os americanos – e nós – respiraríamos aliviados com sua vitória (que não veio).

 

Trump é um populista irresponsável.

 

Tu o dizes.

 

“(…) No caso da doença populista, parece que ela migrou da nossa combalida América Latina, onde nos últimos quinze anos se refestelou nos governos populistas dos Lulas, dos Kirchners, dos Chávez, dos Morales et caterva. Marca registrada da doença: a verborragia irresponsável de palanque que promete mundos e fundos, falando aos desempregados aquilo que eles querem ouvir, o oferecimento de milhões de empregos para amanhã, sem que intermedeiem muitos esforços e derrubando as incômodas leis de responsabilidade fiscal.”

 

Donald Trump, herói para Jair Bolsonaro e para o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, foi comparado com a gripe aviária, com Lula, Kirchner, Chávez, Morales et caterva. Fica registrado para os pósteros.

 

Trump é um populista falastrão. Fala o besteirol que o desempregado americano branco de pouca formação gostaria de escutar, livrando-o da pecha de mediocridade e alçando-o às alturas de salvador da Pátria Americana. É a receita do messianismo político fácil. Ele, Trump, representa o povão esquecido pelos dirigentes vorazes e pelos empresários corruptos. Ele é o messias que salvará a honra da Pátria vilipendiada pelos vendedores da globalização. Ele limpará o terreno invadido por cucarachos e outros bichos inúteis. Ele fomenta o ódio contra esses grupos minoritários, incluindo entre eles os odiados muçulmanos, todos terroristas, aliás, na avaliação do candidato. Ele tende uma rede de proteção sobre os desprotegidos, acobertando-os sob as suas asas. E oferece o útero desejado àqueles que se sentem rejeitados pela Pátria-Mãe-Globalizada.”

 

Fernando Haddad… é você?! Todo esse arrazoado poderia ter sido pensado e escrito por um esquerdista qualquer. A figura de Trump surge com os pormenores de costume; e o eleitor de Trump é o americano xucro.

 

A pregação do Trump não está isolada. A Rússia tem também o seu líder populista, Putin o terrível, especialista em alugar a máquina de guerra ociosa em empreitadas de morte para ditadores, como é o caso da Síria de Bachar el Assad e os seus assassinos que, em Aleppo, realizam aos olhos da humanidade um nojento genocídio transmitido em vivo e em direto. O finado coronel Chávez, que bolou a Revolução Bolivariana na Venezuela e a distribuiu com o seu petróleo barato aos países da América Central, do Caribe e do Sul do Continente, também conseguiu se fazer ouvir da Europa culta. Consta que o financiamento chavista está por trás de alguns movimentos políticos como o Podemos na Espanha e na eleição da ex-presidente Kirchner na Argentina. E a retórica fácil do chavismo terminou sendo comprada pelos gregos no buraco no Movimento Syrisa e pelos populistas italianos do Cinco Estrelas.”

 

Se entendi bem, ele está dizendo que Trump joga no mesmo time desses outros aí. Nem eu acho isso; ele acha. Ou achava.

 

É provável que Hillary ganhe a eleição presidencial. Será melhor para nós, no Brasil, que tentamos sair das profundezas em que nos jogou a rapinagem petralha e que buscamos reerguer a nossa malha de compradores dos produtos brasileiros, destruída irresponsavelmente por Lula, Dilma e comparsas. Um populista na Casa Branca nos atrapalharia enormemente e, o que é pior, poria em risco o delicado cenário do equilíbrio do poder mundial.”

 

Essa é a visão do novo Ministro sobre Trump, globalismo, globalização, Clinton e o mundo que sobrou em torno. O artigo foi publicado em novembro de 2016. É possível que ele tenha mudado de opinião? É possível. Tenho visto muita gente mudar de opinião nesses últimos meses; a proximidade do poder é inebriante. Porém, uma coisa precisa ficar bem estabelecida: política se faz assim, com essas conveniências e adaptações. A lição é que, mesmo no pensamento conservador, há e deve mesmo haver espaço para divergências agudas. Ignorar as nuances é empobrecer o debate e, no limite, o próprio pensamento conservador. Talvez Ricardo Velez Rodrigues tenha sido uma boa escolha para o ministério, mas, alto lá!, não exatamente pelos motivos, ou por todos os motivos, que os entusiasmados eleitores de Jair Bolsonaro esperam. Ironias de que é feita a política.

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