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Foto: NELSON ALMEIDA / AFP
Foto: NELSON ALMEIDA / AFP| Foto:

O governo Jair Bolsonaro tanto fez que finalmente conseguiu algo inédito: em menos de 6 meses encher as ruas de manifestantes críticos à condução do país. Sim, a versão oficial aponta para a revolta com os cortes na Educação, contudo nem a fala do presidente ao ofender estudantes, nem a postura do ministro Abraham Weintraub merecem tamanho crédito. Pelo menos não na sua totalidade. Se em tempo recorde as vias e praças públicas de mais de 200 cidades brasileiras receberam cidadãos furiosos com a atual administração, isso se deve ao conjunto da obra construído pelo bolsonarismo até aqui.

Se deve aos frequentes ataques direcionados contra o senso comum. Agressões tão gratuitas quanto inconcebíveis, provocadas dia após dia por Carlos Bolsonaro e pelo prócer ideológico do novo establishment, o polemista Olavo de Carvalho.

Se deve à escancarada incompetência política de um governo coalhado de despreparados para tocar uma barraca na feira. Das mais módicas. Que dirá para administrar um país como o Brasil.

E se deve, finalmente, à falta de comando de Jair Bolsonaro.

Assusta constatar, mas a inaptidão para o cargo demonstrada pelo presidente não deve nada ao patamar estabelecido por Dilma Rousseff quando esta empunhou a caneta. Convenhamos, faz sentido: enquanto deputado, por mais de três décadas Bolsonaro teve uma atuação que oscilou entre o pífio e o ordinário. Sindicalista, como tantos outros apenas defendeu seus interesses e cuidou da própria sobrevivência. Sua e de seus filhos. Com indícios assim, curioso seria se uma vez no Executivo desabrochasse de seu âmago um incógnito Winston Churchill.

A dúvida é se o presidente acreditou na fábula que o pintou como mito ou se faz tudo de caso pensado. Por mais amalucada que pareça, a segunda hipótese tem razão de ser.

Consciente da própria incapacidade, Bolsonaro enxerga no confronto a principal, talvez única, saída para uma sinuca embaraçosa. Afinal, como fazer política se nunca soube dialogar? Como defender a reforma da Previdência se nutre por ela antipatia? Como dar respaldo ao ministro liberal se cada nervo clama por protecionismo?

Entremeado por um inconformismo infantil e de compreensíveis atribuições de culpas — à oposição, ao Congresso, à imprensa, a quem for —, o messianismo também se faz presente na mitologia do mandatário. A postura cafona e até mesmo a falta de berço funcionam como gatilho para uma falsa humildade. Uma propaganda que vende o presidente escolhido para mudar o destino do país.

Contudo, deixando de lado por um momento o motivo e o possível sucesso dessa estratégia, fato é que houve superdosagem. Um exagero que apenas começa a cobrar seu preço.

Bolsonaro, seus aliados e fãs incondicionais talvez jamais compreendam, porém não foram a oposição ou a mídia os responsáveis pela ida de tantos aos recentes protestos. A convocação foi feita pelo próprio governo, quando se mostrou insensível para perceber o fim do período eleitoral.

Foi feita pelo próprio governo quando minou a formação de uma base de apoio no Congresso por meio de automutilações ensejadas via despautérios nas redes sociais.

Foi feita pelo próprio governo quando optou por priorizar uma agenda — as tais guerras culturais — despropositada para qualquer um que viva no mundo real, onde educação, emprego e segurança suscitam mais que temores ideológicos.

E, talvez acima de tudo isso, foi feita nas últimas horas pelo presidente da República, com a irresponsável distribuição desse texto em que o Brasil é retratado como ingovernável.

O fim prematuro do mandato de Jair Bolsonaro não interessa à oposição, que prefere vê-lo definhar e cometer burradas durante quatro anos, depois dos quais seria mais fácil voltar ao poder. Não interessa a postulantes de centro-direita, como João Doria, pelo mesmo motivo. Não deveria interessar a ninguém preocupado com a solidez da nossa democracia, uma vez que a banalização do instrumento do impeachment avacalha até mesmo o sentido do processo eleitoral. Entretanto, parece interessar ao governo.

Quem sabe o presidente até enxergue no drama uma saída honrosa? De tão parecido com Dilma, não seria mal ter um golpe para chamar de seu.

Seja como for, a faísca foi acesa. O futuro do governo é incerto, todavia a paciência da sociedade, incluindo boa parte dos seus apoiadores, começa a se esgotar. Por outro lado, não faz sentido imaginar que as manifestações dos insatisfeitos cessem.

Muito pelo contrário.

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