• Carregando...
Foto: RAYSA LEITE/AFP
Foto: RAYSA LEITE/AFP| Foto:

Marcar uma simples entrevista com o assessor econômico do candidato Jair Bolsonaro, o economista Paulo Guedes, não foi simples. Além da agenda para lá de apertada, para mim sempre ficou clara uma grande desconfiança da parte dele. E isso não melhorou quando nos encontramos em seu escritório no Leblon, ontem, pouco antes das onze da manhã.

“É um prazer conhecê-lo”, me disse enquanto apertava a minha mão e eu procurava fazer as mesuras habituais em momentos como aquele. A cordialidade da parte dele terminou ali.

A cada pergunta que eu fazia, mesmo após os comentários mais óbvios, Paulo Guedes retrucava com uma resposta rascante. Chegou até a pedir para que eu desligasse o gravador. E mais de uma vez. Aliás, três vezes. Intercaladas, sempre, por queixas a respeito da imprensa e de sua preferência por pautas menores e com o objetivo claro em constrangê-lo, usando para isso o descompasso entre as suas convicções econômicas e as do candidato.

Lá pelas tantas, foi a minha vez de argumentar. Sim, eu não deixava de ser um cidadão e obviamente também tinha as minhas preferências políticas (acusação que fez seguidamente), mas isso não significava que eu estivesse ali para criar uma espécie de arapuca. Contudo, claro, eu tinha total interesse em fazer uma entrevista útil e, portanto, não faria sentido deixar de questioná-lo da maneira mais franca possível.

O acordo finalmente se deu e a entrevista fluiu. Paulo Guedes reafirmou o seu compromisso com toda a sua trajetória. Assegurou, inclusive, que sempre estará disposto a conversar com qualquer um se for para o bem do País. Ao ser provocado a comentar sobre a proximidade entre a sua agenda e a do Partido Novo, admitiu que chegou a dialogar com a legenda de João Amoêdo. E enxerga as privatizações como a senha para um ajuste negligenciado há décadas. “O Plano Real não foi tão bom assim”, chegou a ponderar.

Passada uma hora de conversa gravada, houve então uma pausa. “Nós não terminamos”, me disse ele, antes de nos despedirmos e combinarmos que eu voltaria ali por volta das cinco da tarde.

Na minha cabeça, o alívio já era enorme. Mesmo se a entrevista já tivesse terminado ali, o material era bom. Ótimo. Paulo falou ininterruptamente sobre como enxergava o cenário político e inclusive sinalizou a possibilidade de novas estratégias no segundo turno.

De todo modo, a oportunidade de gravar mais material era alvissareira. Pensei em explorar aquele que talvez fosse o gatilho para o acerto da parceria entre ele e Jair Bolsonaro: uma espécie de amargor quase palpável. Sensação de perseguição. Como se todos — no caso, a parte da sociedade liberal nos costumes e tão fortemente representada no mainstream para um, e a mídia e os setores da comunidade econômica para o outro — os tivessem unido em uma santa batalha.

Quando voltei ao seu encontro, porém, o inimaginável já havia acontecido.

Devo admitir, ao tomar conhecimento, ainda no táxi, sobre o atentado à vida de Jair Bolsonaro, fui invadido por duas sensações fortes em igual medida: raiva e vergonha.

A primeira, é claro, pela repulsa a um ato tão abjeto e tão convarde; pela aversão à hipótese de que um sujeito pudesse sair de casa decidido a enfiar uma faca em alguém pelo simples fato de este alguém ver o mundo com outros olhos.

A segunda, porque o fato de ansiarmos acabar com a vida de um indivíduo que busca democraticamente comandar o país, e obtém inequívoco sucesso nessa empreitada, significa que atingimos o fundo do poço. Episódios anteriores, como os tiros na caravana em favor do ex-presidente Lula, a execução da vereadora Marielle Franco e a do cinegrafista Santiago Andrade justamente quando documentava o nosso nível de selvageria, não me deixam mentir.

As eleições não serão suspensas por conta do atentado a Jair Bolsonaro. Tampouco o candidato do PSL deixará de representar o que sempre representou para os seus seguidores e detratores, ainda que estes últimos, até por uma questão de empatia, possam não se sentir muito à vontade de externar suas opiniões agora. O foco principal desse período, portanto, já mudou.

De uma vez por todas, não temos condição alguma de arrotar respeito ou até predileção pelos valores democráticos. Na hora H, e isso a história comprova, viramos bichos. Animais. Bestas-feras ávidas para resolver o problemas na base do coice, se preciso for.

Ou, por outra, como me disse Paulo Guedes antes de nos despedirmos pela segunda vez no dia, desta feita a derradeira, eu atônito e ele visivelmente devastado: “Este país merece estar onde está”.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]