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Foto: Nelson Almeida/AFP
Foto: Nelson Almeida/AFP| Foto:

Já não há pudores em passar a responsabilidade para o outro. Até constranger e ridicularizar é permitido, caso o interlocutor assuma uma posição alheia àquela regida pela dicotomia Haddad versus Bolsonaro. Em linhas gerais, ou você vota em um partido que assaltou os cofres públicos durante mais de uma década — e que não apenas roubou, mas instituiu o maior esquema de corrupção já visto na República —, ou você é conivente com uma espécie de versão tropical do nazismo.

E pouco importa se o PT deu inúmeras demonstrações de autoritarismo quando aparelhou o Estado e o próprio Judiciário para favorecer seu projeto de poder, ao endossar publicamente a ditadura venezuelana, ou aventando a matança de pessoas de modo a impedir que o seu líder fosse preso. Pouco importa, inclusive, se constantemente acena com uma obscura regulação da mídia.

A ojeriza e até mesmo o temor de LGBTs, negros e das minorias como um todo em relação à candidatura de Jair Bolsonaro extrapola o justificável. Contudo, o comportamento e a retórica que tenho percebido nas últimas semanas por parte de pessoas inequivocamente comprometidas com os valores democráticos têm sido de fazer inveja ao mais radical fã do capitão.

O nível de intransigência é idêntico. E também a estratégia, embora as guirlandas que ornamentam os espantalhos sejam diferentes. Se existe o fantasma do bolivarianismo e a certeza absoluta de que nos tornaremos uma Venezuela, por um lado, também é assegurada a transformação desse país em uma imensa Charlottesville, para não falar nos taques do Exército que tomarão nossas ruas e avenidas, por outro. No fundo, o que interessa mesmo é colonizar pelo medo, impondo ao ouvinte a responsabilidade de evitar o pior e, assim, amealhar um voto para o seu candidato.

Em associação a essa postura, há ainda um xodó pela tese de que é possível estabelecer pontes sólidas de interação com o petismo.

Figuras como Samuel Pessôa e Marcos Lisboa, apenas para citar os dois exemplos mais recentes, jamais se furtaram a dialogar com gente do quilate de um Fernando Haddad ou de uma Laura Carvalho. Algo em tese louvável, na medida em que são sabidamente de outra cepa e portanto podem contribuir para o debate. Acontece que qualquer conversa, para ser proveitosa, pede um ingrediente incompatível com a esquerda e o petismo em particular: honestidade intelectual.

Assim como agora, quando se provoca o boato de que Lisboa poderia assumir o Ministério da Fazenda em futuro governo Haddad, não deveria existir outra postura que não fosse a de negar taxativamente a hipótese. A questão é simples, não resta dúvida de que o Brasil ganharia com o seu brilhantismo a serviço da pasta econômica em um primeiro momento, mas também não cabe perder tempo imaginando o estrago que seria para o país o ressurgimento de uma nova era petista no poder.

Em resumo, é graças à nossa postura condescendente, por vezes até ingênua, que o Partido dos Trabalhadores sempre leva vantagem. E isso não tem nada a ver com a postura de Jair Bolsonaro, embora certamente esteja ligado à sua própria existência.

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