Publicada no Diário Oficial da União em julho de 2024, a Lei 14.905/2024 veio para alterar o Código Civil (Lei 10.406/2022) em relação aos critérios legais de atualização monetária e juros moratórios. De acordo com a nova legislação, caso não haja convenção ou lei específica fixando o índice de atualização monetária aplicável, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) deverá ser o indicador inflacionário utilizado para a recomposição do poder de compra da moeda.
Ainda conforme previsto no novo normativo legal, quando os juros não forem convencionados, quando o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação de lei, serão fixados de acordo com a denominada “taxa legal”.
De acordo com o contador Lucas Moss Kososki, gerente departamental da ANGESP – empresa especializada em perícia judicial, extrajudicial e arbitral nas áreas contábil e financeira – a taxa legal vai corresponder à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), deduzida do IPCA. Mas com uma ressalva: quando a taxa legal apresentar resultado negativo, este será considerado igual a zero para efeito do cálculo dos juros no período de referência.
“Essa alteração se alinha ao recente entendimento do Supremo Tribunal de Justiça relativo à redação anterior do Código Civil. O artigo 406 da Lei 10.406/2022 previa, até 2024, que os juros moratórios, quando não convencionados, sem taxa estipulada ou quando provierem de determinação de lei, seriam fixados segundo a taxa que estivesse em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional”, analisa.
Neste sentido, segundo o entendimento fixado pela maioria do colegiado (REsp 1795982), a taxa Selic representaria a taxa de mora exigível quando do inadimplemento de impostos federais, em detrimento da linha de entendimento vencida, que defende a aplicação de juros de 1% ao mês, baseada no Código Tributário Nacional (CTN).
Portanto, segundo o especialista, o advento da Lei 14.905/2024 foi importante para fixar claramente quais são os índices de correção monetária e taxa de juros moratórios aplicáveis em condenações judiciais, o que impacta diretamente peritos contadores, peritos contadores assistentes, advogados e cidadãos que trabalham ou estão envolvidos em litígios.
“Agora, o IPCA deverá ser o índice de correção monetária aplicado para a recomposição do poder de compra da moeda de determinada quantia, enquanto os juros moratórios deverão ser aferidos pela SELIC deduzida do IPCA, a não ser que observada ao menos uma das exceções previstas em lei”, afirma Lucas Moss.
Necessidade de assistentes técnicos
Embora reduza a controvérsia quanto à interpretação do artigo 406 do Código Civil e direcione o entendimento quanto à aplicação da Selic a título de taxa de juros moratórios legais, a alteração vai exigir de peritos, assistentes técnicos e demais envolvidos especial atenção quanto aos critérios aplicáveis em cada caso em concreto.
“Primeiro, porque há uma série de decisões judiciais, transitadas em julgado ou não, que já determinaram critérios diversos e que nem sempre convergirão à atual redação legal, o que fatalmente deverá ser tratado com cautela, pois questões relativas à retroatividade ou não da Lei certamente serão suscitadas pelas partes”, afirma o contador.
Neste caso, segundo ele, sugere-se o alinhamento e embasamento jurídico com o julgador da demanda, no caso de peritos nomeados pelo juízo, e com o patrono da parte, para assistentes técnicos, para que os cálculos sejam elaborados de forma fundamentada. Com isso, se evitam impugnações jurídicas.
Outro ponto que requer cuidado é a forma de cálculo dos juros e correção monetária nos termos da lei 14.905/2024. “Como o índice de correção monetária fixado pela nova Lei é o IPCA e a taxa de juros moratórios legal corresponde à Selic deduzida do IPCA, pode-se entender que a aplicação da taxa Selic, de maneira individual, corresponderia à integralidade dos juros e correção monetária previstos na nova lei, haja vista que, por ambos serem parte do mesmo todo, o mero somatório do IPCA com a taxa legal corresponderia à taxa Selic”, explica.
Ou seja, neste entendimento bastaria haver a aplicação da taxa Selic, nos mesmos termos aplicados pela Receita Federal, para o cálculo integral de juros e correção monetária nos termos da legislação vigente.
Simplificação e cálculos
Contudo, essa simplificação não é totalmente verdadeira, pois há minúcias na forma de cálculo destas verbas que implicam pequenas diferenças de cálculo entre a aplicação da taxa Selic nos termos aplicáveis para impostos devidos à Fazenda Nacional e aplicação de correção monetária pelo IPCA e juros moratórios à taxa legal.
“Conforme disposto no Código Civil, a metodologia de cálculo da taxa legal e sua forma de aplicação devem ser definidas pelo Conselho Monetário Nacional e divulgadas pelo Banco Central. E para atender a tal ditame, o Conselho Monetário Nacional publicou a resolução CMN nº 5.171 de 2024, material técnico no qual há o detalhamento de toda a metodologia de cálculo que envolve as alterações nos juros e correção monetária decorrentes da Lei 14.905/2024”, ressalta Moss.
De acordo com o normativo, a taxa legal será apurada mensalmente, valendo-se do cotejo entre a taxa Selic e o IPCA-15 relativos ao mês anterior ao mês de referência. A taxa legal deverá ser aplicada através do regime de juros simples para fins de acumulação mensal e apuração de juros proporcionais, sendo que, no caso de haver previsão de atualização monetária sobre valor base da taxa legal, a taxa legal deverá ser calculada sobre o valor corrigido monetariamente.
“Como se vê, para o cálculo dos juros à taxa legal deve-se primeiro atualizar monetariamente a quantia base, e sobre o valor corrigido, haver a incidência da taxa legal, acumulada pelo regime de juros simples e obtida através do comparativo mensal entre a taxa Selic e o IPCA-15 relativo ao mês anterior ao período de referência”.
Por estas sutis diferenças, de acordo com o especialista, o resultado de uma atualização monetária com a utilização da taxa Selic, nos termos dos débitos fazendários, será diferente daquele obtido nos exatos termos da Lei 14.905/2024 e resolução CMN 5.171/2024, ainda que todas as demais variáveis envolvidas, como valores e datas-base de cálculo, sejam as mesmas em ambos os cenários.
“Diante deste cenário, é fundamental a atuação de um perito contador ou um perito contador assistente na execução deste tipo de cálculo, para que os procedimentos técnicos decorrentes da nova lei sejam aplicados com a devida precisão e, desta forma, seja possível obter o justo resultado da aplicação dos ditames legais”, recomenda.

