Este nome comprido se refere a um procedimento endoscópico para tratamento de cálculos (pedras), estreitamentos e tumores acometendo a drenagem biliar (via, ou ducto biliar, que vem do fígado) e/ou pancreática (via, ou ducto pancreático, que vem do pâncreas).
Para explicar da melhor forma possível esse procedimento, preciso entrar um pouco em anatomia e fisiologia. O fígado e o pâncreas estão entre as maiores glândulas do corpo humano. Além de funções endócrinas e metabólicas, estas glândulas secretam uma grande quantidade de bile e suco pancreático (mais de 1 litro por dia) que atuam na digestão e drenam através canais biliares e pancreáticos.
O nome “colangio” se refere a canais por onde escoa toda a bile produzida no fígado, chamado de via ou ducto biliar. O canal principal da via biliar se chama colédoco. O colédoco desemboca no intestino, junto com o canal do pâncreas (Wirsung). Esta desembocadura, a “foz” desses dois canais ocorre em um pequeno mamilo dentro do intestino (duodeno), chamado de papila duodenal maior (papila de Vater).
Como é realizado o exame de CPRE?
Voltando ao procedimento em si, introduzindo um endoscópio pela boca permite ir até o estômago e duodeno, e após seguir a curvatura da cabeça do pâncreas, lá na segunda porção duodenal, chega-se na papila duodenal maior. Ali bem no início do intestino delgado onde as secreções biliares e pancreáticas desembocam e iniciam a digestão.

Em seguida, por um pequeno orifício de 1 mm nessa papila, é possível passar inicialmente um fio fino de 0,8 mm (ou mais fino ainda), seguidos por instrumentos finos que sobem para dentro da via biliar e da via pancreática (cateterização). Por isso o termo retrógrado. Anterógrado seria passar um instrumento através do fígado ou abertura na via biliar, por exemplo, e descer até a papila duodenal maior.
Uma vez tendo os instrumentos (fio-guia, cateter, etc) na via biliar ou pancreática, procede-se à injeção de contraste, para que se possa visualizar a anatomia da via biliar ou pancreática no raio-x. O contraste preenche os canais e faz um desenho da árvore biliar ou pancreática.
Estreitamentos, cálculos ou tumores aparecem como falhas de enchimento, compressões, aberrações anatômicas. Importante mencionar que nenhuma árvore biliar é igual às outras, variações anatômicas são muito comuns, por isso a interpretação das imagens requer bastante experiência. Uma vez tendo o diagnóstico, procede-se ao tratamento, quando indicado.
Para isto, utilizam-se instrumentos/cateteres especiais modificados em forma de estilete para abrir a papila, balões para dilatação, próteses, escovas, etc. Hoje é possível inclusive, entrar com um outro endoscópico ultrafino dentro do canal biliar (coledocoscopia peroral) e olhar diretamente a via biliar ou pancreática para tomada de biópsias ou mesmo aplicar laser em cálculos biliares (igual ao aplicado em cálculos renais).
A manipulação e instrumentação da papila duodenal e canais biliares e pancreáticos requerem técnica apurada e instrumental adequado. A taxa de sucesso deste procedimento depende de vários fatores. O fator principal para o sucesso é entrar dentro da via biliar pelo buraquinho de 1 mm da papila duodenal.
Esta chance é de 90-95%, e menor para o caso de tumores. Parece quase 100%, mas para quem realiza, por exemplo, 20 procedimentos por mês são 2 a 3 casos de insucesso. Para esses casos difíceis a abordagem é multidisciplinar, onde mais de 1 profissional é acionado.
Este insucesso no acesso à via biliar não significa necessariamente cirurgia, e há outras alternativas como o acesso percutâneo (através do fígado), ou ainda através de uma outra técnica, a ecoendoscopia, em que o acesso ocorre através de uma punção da parede gástrica ou duodenal.

Resumindo, existem várias possibilidades de acesso minimamente invasivo à via biliar, a colangiografia endoscópica retrógrada é uma delas, e a preferível na maioria dos casos por utilizar um acesso natural, anatômico, a papila duodenal maior.
Além da questão do acesso à via biliar ou pancreática, há também a instrumentação, que envolve dilatação, quebra e retirada de cálculos duros e grandes, e empurrar uma prótese (um tubinho de plástico ou malha de metal) através de um tumor. Para o tratamento de cálculos biliares, por exemplo, a chance de clareamento biliar é de 80-90%, essa menor para cálculos dentro do fígado, ou volumosos, ou múltiplos.
Nessa especialidade é chamado sucesso técnico quando se consegue realizar o procedimento a contento e sucesso clínico quando o paciente responde ao tratamento. Nem sempre o sucesso técnico levará ao sucesso clínico.
A Colangiopancretografia endoscópica retrógrada, portanto, é um procedimento endoscópico minimamente invasivo que evita procedimentos cirúrgicos mais agressivos, porém envolve incisão, instrumentação e manipulação de estruturas delicadas. É um procedimento seguro, com diferentes graus de complexidade, elevada taxa de sucesso, mas cuja indicação deve ser ponderada e realizada por profissionais capacitados e experientes.
Principais indicações da CPRE
A CPRE é um exame muito empregado em tratamento de condições que afetam a drenagem biliar e pancreática, como estreitamentos, tumores, inflamações e cálculos (pedras). A principal vantagem da CPRE é evitar-se uma cirurgia nos canais biliares e pâncreas, consideradas cirurgias de médio a grande porte.

Quais as contraindicações da CPRE?
As contraindicações para CPRE são semelhantes aos exames endoscópicos, em geral: pacientes com deformidades, estreitamentos em orofaringe ou no trajeto do aparelho, os com baixa capacidade cardiopulmonar (oxigenação deficiente, isquemia ou insuficiência cardíaca) ou os que não podem serem submetidos a sedação profunda. Condições como cirrose hepática ou alterações na coagulação sanguínea devem ser cuidadosamente avaliados.
Em pacientes com cirurgia gástrica prévia (incluindo cirurgia bariátrica) a CPRE pode ser prejudicada por alterações na anatomia. Esses casos são avaliados individualmente sobre o benefício do exame.
Quais os riscos da CPRE?
Embora seja considerado um procedimento seguro e eventualmente realizado em regime ambulatorial (sem necessidade de permanência hospitalar), alguns eventos adversos/complicações podem ocorrer. O pâncreas é um órgão muito sensível, e qualquer tipo de manipulação, não importando se é jovem ou idoso, um tumor de 5 cm ou um cálculo de 3 mm, pode desencadear um evento imprevisível chamado de pancreatite.
Pancreatite é uma inflamação no pâncreas na qual as enzimas digestivas que ele mesmo produz são ativadas e “extravasam” para fora dos canais, acometendo o próprio pâncreas e as estruturas adjacentes. Cursa com dor abdominal que não alivia com analgésicos convencionais e necessita internamento para analgesia, jejum e hidratação.
Cerca de 10% das pancreatites evoluem para uma forma gravíssima. Sangramento e perfuração intestinal ocorrem quando se tenta abrir a papila duodenal para instrumentação, e pode necessitar de cirurgia de urgência. Colangite é uma infecção da via biliar que ocorre horas ou dias após manipulação e pode levar a septicemia.

Estas complicações não são habituais (cerca de 5-10%), algumas delas ocorrem em situações especiais, e são usualmente reversíveis. Complicações cardiorrespiratórias e anestésicas (hipóxia, isquemia ou insuficiência cardíaca, choque anafilático) podem ocorrer como em qualquer procedimento cirúrgico, e são raras.
Em resumo, a CPRE é um procedimento endoscópico muito empregado em tratamento de condições que afetam o sistema biliar e pancreático, tendo como principal vantagem evitar-se uma cirurgia, muitas vezes considerada de grande porte.
Referências
ASGE guideline on the role of endoscopy in the diagnosis of malignancy in biliary strictures of undetermined etiology: summary and recommendations Gastrointest Endosc 2023; Volume 98, Issue 5; P685-693
ASGE guideline on the management of cholangitis Gastrointest Endosc 2021; Volume 94, Issue 2; P207-221.E14
Palavras-chave
CPRE, colangiografia, colangioscopia, endoscopia, icterícia, pâncreas, cálculos biliares, câncer, colédoco, vias biliares, oncologia, diagnóstico, tratamento.

