Muitos pacientes ao fazer uma endoscopia digestiva ou colonoscopia encontram pólipos, ou tumores, ou lesões superficiais do tubo digestivo (esôfago, estômago ou intestino), e precisam remover essas lesões.
Nas biópsias desses tumores são usualmente encontrados os termos adenoma, displasia, metaplasia, carcinoma intramucoso, carcinoma in situ.
Estas lesões podem medir entre 1 e 3 cm e algumas serem bem extensas, por vários centímetros, até mesmo circunferenciais. Algumas delas são cancerígenas ou possuem potencial para se tornarem câncer.
Quando cancerígenas, a questão maior é o quanto elas penetram em profundidade no tecido, ou seja, se elas são superficiais ou invasoras e o tipo celular (perfil de crescimento agressivo, que invade o tecido ou perfil de crescimento lento, que “empurra” o tecido).
O termo câncer/neoplasia precoce se aplica a lesões superficiais com potencial para remoção endoscópica e estão associadas a elevadas chances de cura.
A pergunta que as pessoas que se deparam com esse tipo de lesão fazem atualmente é: É realmente necessário retirar? É mesmo superficial e precoce? Como tratar isso? Será que será necessário fazer uma cirurgia? Existe outro método? O que é mucosectomia? Quais os riscos? Vou ficar bem?
Para responder a estas perguntas, será explicado um tratamento chamado Mucosectomia, uma técnica endoscópica estabelecida que permite fazer uma retirada completa e efetiva de lesões superficiais, mesmo sendo cancerígenas, evitando assim uma cirurgia.
Quando e como tratar essas lesões?
É frequente o aparecimento de pólipos intestinais e tumores superficiais durante um exame endoscópico. Os pólipos de intestino, por exemplo, são encontrados em cerca de 20–30% das colonoscopias.
O termo médico pólipo se refere a uma saliência superficial que cresce no revestimento interno (pele) do tubo digestivo.
Os pólipos são mais salientes, e se assemelham a cogumelos. Eles são classificados do tipo I (classificação de Paris).
Os pólipos são muito mais frequentes no cólon (intestino grosso), mas também encontrado em outras partes, como estômago, intestino delgado, e mesmo esôfago.
Adenoma é um tipo de pólipo, e há ainda os subtipos de adenoma: hiperplásico, tubular, viloso.
Outras lesões superficiais com características de elevadas ou planas, que não possuem aquele aspecto de cogumelo do pólipo, são às vezes quase imperceptíveis. Elas podem parecer uma verruga ou um musgo e são chamadas de tipo II.
Este aspecto é o mais observado no esôfago e estômago. Ele é muito comum também no cólon (intestino grosso), e aqui elas podem se espraiar lateralmente para então serem chamadas de lesão de crescimento lateral (termo consagrado em inglês LST – Lateral Spreading Tumor).
São lesões de difícil caracterização endoscópica e requerem muitas vezes o uso de colorações especiais, chamado de cromoscopia, que pode ser luminoso digital (apertando um botão do aparelho) ou por instilação de um líquido corante de superfície.
Daí a importância de um exame feito com equipamento de boa qualidade de imagem.
As lesões quando ulceradas (do tipo III) parecem um” vulcão”, em que tipicamente há uma “cratera” circundada pelos bordos elevados.
Essa cratera é resultante de necrose tecidual. Estas lesões não são passíveis de remoção endoscópica, ao serem invasoras. Importante salientar a diferenciação de erosão e úlcera, esta mais rasa, que muitas vezes é difícil em um exame endoscópico, sujeito a interpretação subjetiva da imagem ao exame.
A presença de uma erosão superficial não significa necessariamente que a lesão não possa ser retirada endoscopicamente.
A questão de decidir quando uma lesão superficial ou pólipo pode ser tratada depende do aspecto, ou da biópsia.
Em relação ao aspecto, os ulcerados (chamados Classificação III de Paris) podem indicar invasão e não são propícios à remoção endoscópica, devendo ser cuidadosamente avaliados.
Os adenomas hiperplásicos não necessitam de remoção. Os outros tipos de adenomas (tubular, viloso, serrátil) devem ser removidos.
Nas biópsias de estômago podem aparecer o termo metaplasia, que isoladamente, sem displasia, não necessitam ser removidas.
As lesões superficiais no esôfago são geralmente planas, quase imperceptíveis. No esôfago aparece muito o termo carcinoma in situ, que significa superficial.
A presença de displasia de alto grau em qualquer situação indica necessidade de remoção.
O tamanho da lesão em si, isoladamente, não serve como único critério para indicar cirurgia. O mais importante é se ele tem aspecto invasor, ulcerado.
Alguns casos, mesmo sendo um pólipo menor que 1 cm, podem precisar de cirurgia para remoção de todo o segmento afetado e a “gordura” em volta dele, pois se houver carcinoma invasor pode haver células que tenham se alojado já fora do pólipo, que podem “caminhar” para gânglios chamados de linfonodos.
Nesse caso, a mucosectomia não teria capacidade de remover esse tecido além da superfície onde se encontra o pólipo ou o tumor. Em outros casos, há lesões extensas, circunferenciais com vários centímentros, que podem ser removidas endoscopicamente.
Para as lesões superficiais que não possuem sinais pejorativos o tratamento preferencial, quando possível, é por via endoscópica por técnica de mucosectomia, como será explicado a seguir:
O que é mucosectomia?
O termo “Mucosectomia” se refere a mucosa, que é uma “pele” que reveste internamente o sistema gastrointestinal, a camada mais superficial.
A parede gástrica ou intestinal podem ser grosseiramente divididas em 2 camadas - superficial e profunda, separadas por um “recheio”.
A camada superficial compreende uma primeira “membrana” microscópica contendo epitélio, uma lâmina fina chamada de lâmina basal, e uma camada muito fina de músculo (muscular da mucosa).
A camada profunda é uma “capa” muscular chamada de muscular própria (como o nome diz, principal). O “recheio” seria uma camada intermediária contendo vasos sanguíneos chamada de submucosa, que separa a “membrana” mucosa (superficial) da “capa” muscular própria (profunda).
Para a retirada de uma lesão superficial, deve-se então preservar a camada profunda, a capa muscular, A violação da camada muscular própria propicia a perfuração. A camada submucosa, o recheio que separa as camadas superficial (mucosa) da profunda (muscular própria) possui uma espessura de poucos milímetros.
A mucosectomia é um procedimento, uma técnica que embora seja endoscópica, sem incisões ou cicatrizes aparentes, ela é considerada uma cirurgia, ao envolver uma retirada de tecido, com corte e coagulação e costura (aproximação dos tecidos).
É como se fosse uma “raspagem” usando uma técnica que disseca, solta o tecido milímetro por milímetro. A mucosectomia é uma técnica possui variações diversas, cuja aplicação depende do caso.
A mais usada é com uma alça de metal, que atua como se fosse um laço, que corta, decepa a lesão na sua base.
Outra técnica muito empregada, mais delicada, é a dissecção submucosa (chamada também de ESD – endoscopic submucosal dissection), que permite a remoção de lesões extensas por inteiro em uma única peça, soltando-a das camadas mais profundas.
Como vou ficar após uma mucosectomia?
A vantagem de fazer uma mucosectomia, ressalto que quando bem indicada (lesão superficial), é a de preservar o órgão, sem necessidade de retirar parte dele.
Comparado então à cirurgia, ela possui vantagens muito interessantes como recuperação mais rápida, retorno precoce ao cotidiano, sem complicações relacionadas às incisões cirúrgicas (defeitos na parede abdominal, sem cortes aparentes).
Entretanto, a mucosectomia é sim um procedimento cirúrgico, e como tal, envolve anestesia, bem como corte e coagulação de tecidos delicados.
As complicações podem ser anestésicas, relacionadas à condição de saúde do paciente ou relacionada ao próprio ato cirúrgico. Felizmente as complicações são pouco frequentes, e contornáveis.
Podem ocorrer sangramento, perfuração do órgão digestivo, infecção generalizada, e mais tardiamente, estreitamento do tubo digestivo.
Outra menção importante é a chance do reaparecimento da lesão, por mais que a técnica tenha sido bem executada, chamado de recidiva. Para diagnosticar uma recidiva é necessária uma vigilância por endoscopia.
Uma vez bem-sucedida, a mucosa do trato digestivo tem uma capacidade regenerativa impressionante. Em cerca de 21 dias ocorre a “re-epitelização”, ou seja, recuperação da camada removida.
A mucosectomia permite a preservação do órgão com recuperação precoce e retorno à vida cotidiana. Quando corretamente empregada, a mucosectomia permite a cura de lesões cancerígenas, quando superficiais.
REFERÊNCIAS
Al-Haddad MA, Elhanafi SE, Forbes N, Thosani NC, Draganov PV, Othman MO, Ceppa EP, Kaul V, Feely MM, Sahin I, Ruan Y, Sadeghirad B, Morgan RL, Buxbaum JL, Calderwood AH, Chalhoub JM, Coelho-Prabhu N, Desai M, Fujii-Lau LL, Kohli DR, Kwon RS, Machicado JD, Marya NB, Pawa S, Ruan W, Sheth SG, Storm AC, Thiruvengadam NR, Qumseya BJ; (ASGE Standards of Practice Committee Chair). American Society for Gastrointestinal Endoscopy guideline on endoscopic submucosal dissection for the management of early esophageal and gastric cancers: methodology and review of evidence. Gastrointest Endosc. 2023 Sep;98(3):285-305.e38.
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O cotidiano de quem precisa de uma MUCOSECTOMIA
Abaixo, será ilustrado o cotidiano de quem precisa de uma MUCOSECTOMIA com dois casos fictícios:
Caso Fictício 1
A Sr.ᵃ AF tem 42 anos, sem doença prévia e foi fazer um exame colonoscopia de rotina porque tem parentes com histórico de câncer de intestino. No exame encontraram uma lesão elevada do reto de 5 cm, referida como “LST”.
Foram feitas biópsias e estas demonstraram adenoma com displasia de alto grau. Procurou um médico, este indicou uma ressonância magnética, e esta mostrou que a lesão era superficial.
Foi cogitado tratamento cirúrgico, porém a lesão era próxima da borda anal e, portanto, com risco de ficar com bolsa de colostomia. Foi optado por remoção endoscópica, a qual foi bem-sucedida.
A peça foi removida em bloco e a paciente teve alta no dia seguinte. O resultado era ausência de câncer. A paciente fará seguimento endoscópico de rotina para averiguar a chance de recidiva e o aparecimento de novas lesões.
Caso haja uma recidiva, é possível a remoção tecidual endoscópica, possibilitando a erradicação total da lesão.

Caso Fictício 2
O Sr GH tem 78 anos e infarto prévio com implantação de stent coronário e foi fazer um exame endoscópico ao começar a apresentar anemia. No exame encontraram uma lesão ulcerada de 1 cm no estômago.
Foram feitas biópsias e estas vieram com um diagnóstico de displasia de alto grau. Foi cogitada remoção endoscópica. Em um segundo exame endoscópico, a lesão era ulcerada com bordos elevados e, portanto, possuía sinais pejorativos.
Foram realizadas na ocasião novas biópsias e estas demonstraram carcinoma invasor. A mucosectomia foi contra-indicada e o Sr GH foi então submetido a cirurgia de gastrectomia.
Teve um pós-operatório conturbado por pneumonia e infecção de ferida operatória, mas recuperou-se. Na peça cirúrgica o carcinoma foi removido completamente e havia 1 gânglio (linfonodo) comprometido (estadiamento oncológico Ib).
Ele será avaliado pela equipe oncológica para decidir sobre quimioterapia e acompanhará com exames e endoscopias periódicas.


