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Saiba porque as mudanças nas regras da cidadania italiana ferem direitos de milhões de ítalo-descendentes

Após mais de um século da legislação vigente que garantia a cidadania por direito de sangue (Iure sanguinis), Decreto do governo italiano limita reconhecimento a apenas filhos e netos de Italianos nascidos em solo italiano

Decreto-lei do governo italiano fere direitos de milhões de ítalo-descendentes, especialmente do Brasil.
Decreto-lei do governo italiano fere direitos de milhões de ítalo-descendentes, especialmente do Brasil. (Foto: Shutterstock)

Stella Cidadania

25/04/2025 às 14:26

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No dia 28 de março de 2025, o governo da Itália publicou o Decreto-Lei nº 36/2025, o qual, entre várias medidas, definiu que apenas filhos e netos de italianos nascidos em solo italiano terão direito ao seu reconhecimento da cidadania italiana, ou seja, bisnetos, trinetos, em diante, não mais terão o direito.

Até então, a legislação italiana permitia que qualquer pessoa com um antepassado italiano pudesse solicitar o reconhecimento da cidadania, sem limite de gerações. Com isso, filhos, netos, bisnetos, trinetos, etc, vinham sendo reconhecidos como cidadãos italianos, considerando que, se o direito é sanguíneo, não há como imaginar ou fixar uma “linha de corte” dessa transmissão. 

Apesar desse direito consolidado, o vice primeiro-ministro e ministro das Relações Exteriores da Itália, Antonio Tajani, de forma unilateral e de forma autoritária, achou por bem criar uma linha de corte para frear a alta procura dos ítalo-descendentes para terem seu direito já adquirido reconhecido formalmente. A principal justificativa do ministro é que a busca formal do reconhecimento de cidadania estaria incomodando e gerando muito trabalho aos consulados e comunes (municípios) italianos, chegando a classificar seu Decreto como “urgente” e “assunto de segurança nacional”. Além disso, de forma absurdamente hostil, Tajani classificou os italianos nascidos no exterior como “aproveitadores” que não têm mais ligação com a Itália.

Fábio Stella, advogado especialista em reconhecimento da cidadania italiana, o Decreto ou nova Lei não pode retroagir no tempo afetando direitos e situações jurídicas originárias já adquiridasFábio Stella, advogado especialista em reconhecimento da cidadania italiana, o Decreto ou nova Lei não pode retroagir no tempo afetando direitos e situações jurídicas originárias já adquiridas (Foto: Foto: Divulgação/Stella Cidadania)

“O ministro Tajani simplesmente despreza a comunidade italiana do exterior. Isso me faz lembrar das inúmeras comemorações dos 150 anos da imigração italiana, das solenidades com autoridades italianas presentes em diversas cidades aqui do Brasil que celebram e vivem a italianidade no seu dia a dia. As atitudes do ministro desconsideram também movimentos associativos que integram os países, movimentos e celebrações culturais, cidades que vivem a cultura italiana e a propagam e que até carregam o nome de cidades italianas consigo. Isso demonstra ainda que alguns políticos italianos não conhecem nosso zelo e orgulho da cultura vinda de nossos antepassados, e o quanto isso nos honra”, diz o advogado especialista em reconhecimento da Cidadania Italiana Fábio Stella, fundador do escritório Stella Cidadania, com sede em Curitiba e atuação em todo o Brasil.

A mudança do governo italiano, considerada arbitrária por juristas de vários países, provocou forte e imediata reação entre os ítalo-descendentes em todo o mundo. Aqui no Brasil, por exemplo, são cerca de 40 milhões, além de dezenas de milhões que vivem nos demais países da América do Sul e nos EUA, principalmente.

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Decreto fere direitos consagrados dos descendentes de italianos

A busca pela tutela jurídica (proteção legal) por quem teve seus direitos e interesses ofendidos segue legítima, conforme o art. 24 da Constituição da República Italiana. Segundo o advogado Fábio Stella, “entre várias razões e fundamentos jurídicos que embasam esses direitos, os pilares centrais são os ‘princípios da irretroatividade da lei’ e do ‘direito adquirido’ já no ato de seu nascimento, cuja Lei vigente à época é o que lhe fez juridicamente italiano sanguíneo desde então, conforme entendimento do próprio poder judiciário italiano”.

O entendimento de que o Decreto-Lei nº 36/2025 fere direitos garantidos constitucionalmente vem de diversas autoridades e juristas, inclusive de membros da Justiça italiana. O ex-presidente do Tribunal de Veneza, Salvatore Laganà, durante audiência no Senado italiano, no último dia 9 de abril, foi claro ao declarar “A redução de pedidos (de cidadania) pode até aliviar os tribunais, mas o decreto tira direitos de quem já tinha cidadania italiana reconhecida.”

Responsável por uma das cortes mais sobrecarregadas da Itália – com mais de 36 mil ações desde 2024, 98% delas de brasileiros –, Laganà afirmou ainda que o novo texto cria insegurança jurídica e prejudica quem tem direito legítimo à cidadania.

O que diz o artigo 24 da Constituição da República da Itália sobre o direito de recorrer à justiça para garantia de direitos. O que diz o artigo 24 da Constituição da República da Itália sobre o direito de recorrer à justiça para garantia de direitos. (Foto: Foto: Recorte extraído de https://www.senato.it)

O Decreto nº 36/2025, publicado em 28 de março de 2025, foi publicado na Gazzetta Ufficiale da Itália, embora previsto na Constituição Italiana, trata-se de um ato normativo com força de lei emitido diretamente pelo Governo em casos extraordinários de necessidade e urgência. Sua eficácia é provisória e precisa ser apreciado pelo Parlamento para ser convertido em lei definitiva (com ou sem modificações) dentro de 60 dias. Se o Parlamento não o converter nesse prazo, o Decreto-Lei perde sua validade desde o início (efeito retroativo). Comparativamente, é como funciona uma Medida Provisória (MP) no Brasil, que também tem prazo para ser convertida em lei pelo Poder Legislativo.

Nos últimos dias, a Comissão de Assuntos Constitucionais, do Senado italiano, tem ouvido juristas e especialistas sobre o Projeto de Lei de Conversão do Decreto-Lei n.º 36/2025.

“O Decreto Legge (decreto-lei) é um instrumento para situações emergenciais, não para reformas estruturais de direitos consolidados. Nesse sentido, esse é um dispositivo jurídico muito utilizado para fins políticos na Itália, mesmo para questões que nem sempre são tidas como urgentes pela população ou o Parlamento”, explica Fábio Stella.

O especialista e fundador do escritório Stella Cidadania chama a atenção ainda para as sentenças dos processos judiciais de reconhecimento da cidadania italiana, que, segundo ele, vale a pena a leitura, principalmente para quem não tem acesso aos julgamentos dos Tribunais. Ele cita, como exemplo, a decisão reproduzida a seguir, do Tribunale di Venezia (Corte de Veneza): 

"... secondo la tradizione giuridica italiana, nel sistema delineato dal codice civile del 1865, dal la successiva legge sulla cittadinanza n. 555 del 1912 e dall'attuale legge n. 91 del 1992, la cittadinanza per fatto di nascita si acquista a titolo originario iure sanguinis, e lo status di cittadino, una volta acquisito, ha natura permanente, è imprescrittibile ed è giustiziabile in ogni tempo in base alla semplice prova della fattispecie acquisitiva integrata dalla nascita da cittadino italiano; a chi richieda il r iconoscimento della citt adinanza spetta di provare solo il fatto acquisitivo e la linea di trasmissione, mentre incombe alla controparte, che ne abbia fatto eccezione, la prova dell'eve ntuale fattis pecie interruttiva; ..." (cfr. CORTE DI CASSAZIONE , Sentenza n. 25317/2022 del 24-08-2022)

(...segundo a tradição jurídica italiana, no sistema delineado pelo código civil de 1865, pela subsequente lei de cidadania n.º 555 de 1912 e pela atual lei n.º 91 de 1992, a cidadania por nascimento é adquirida pelo título “iure sanguinis” originário, e o status de cidadão, uma vez adquirido, é permanente, imprescritível e pode ser exercido a qualquer momento com base na simples prova do fato aquisitivo integrado por nascimento como cidadão italiano; quem solicita o reconhecimento da cidadania é obrigado a provar apenas o fato aquisitivo e a linha de transmissão, enquanto o ônus da prova de qualquer fato interruptivo recai sobre a outra parte, que fez uma exceção..." (cfr. Cass., Sez. Unite, sentenza n. 25317 del 24.08.2022)

A jurisprudência da Corte de Cassação Italiana, inclusive em suas Seções Unidas (SS.UU. nº 4466/2009; nº 8924/2009), já afirmava de forma constante que a cidadania iure sanguinis é adquirida a título originário desde o nascimento, sendo o respectivo procedimento de natureza meramente declaratória, e não constitutiva.

“Por esta razão, o Decreto-Lei vigente (36/2025) fere de forma ilegal o direito já existente, agindo de forma retroativa no tempo, o que fere o princípio da irretroatividade (art. 11 das disposições preliminares do Código Civil Italiano).  A lei não pode ter efeito retroativo, ou seja, aplica-se apenas a situações futuras, não afetando fatos ou relações jurídicas já existentes”, afirma Fábio Stella.

Além da questão da retroatividade, conforme avaliam Constitucionalistas Italianos, o Decreto vigente (e eventual Lei posterior que siga na mesma direção), ferem o dispositivo da Constituição da República Italiana em seu art. 3 (princípio da igualdade), pois cria distinções em “categorias” de cidadãos italianos. Outro fato apontado por especialistas é que, sendo o direito ao reconhecimento à cidadania algo imprescritível, se confiou ao Estado Italiano que seria possível requerê-lo a qualquer tempo, não podendo ser retirado do dia para a noite, literalmente, impedindo as pessoas de exercer seu direito, o que quebra a confiança legítima no Estado e no ordenamento jurídico.

Na avaliação de Fábio Stella, tal medida configura uma desnacionalização coletiva, em desacordo com o art. 15 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, a qual estipula que “ninguém será privado arbitrariamente de sua nacionalidade”. O advogado alerta ainda que “a exclusão súbita e generalizada do reconhecimento desses já italianos (as), situação jurídica existente já desde o nascimento, fere a continuidade jurídica entre gerações e o princípio da unidade familiar (arts. 29 e 30 da Constituição)”.

Processos Administrativos (Via Consulado)

Os Consulados Italianos, por força do Decreto do governo, suspenderam temporariamente o recebimento da documentação de novos requerentes. Por enquanto resta aguardar como ficarão os processos via Consulado após o Decreto e possível nova Lei que virá, após apreciação no Parlamento.

“Esse foi um golpe muito duro e deixou incrédulos dezenas de milhares de pessoas que ficaram anos e anos na fila do Consulado, ou seja, já buscaram o seu reconhecimento da cidadania italiana lá atrás no ato de inscrição, mas que tiveram que aguardar por ineficiência dos Consulados, e agora, quando chegou a sua vez simplesmente tiveram as portas fechadas pelos mesmos”, observa Fábio Stella. 

Mas a questão ainda está indefinida. Para Fábio Stella, caso a situação do limite geracional se mantenha, impedindo que bisnetos em diante tenham seus direitos reconhecidos, ou se os Consulados deixarem de ter suas competências para fim de realização de processo, restará a esfera judicial para pleitear seus direitos. Isso significa que os ítalo-descendentes poderão entrar com ação judicial para ter seus direitos garantidos.

Expectativas para o futuro

Apesar do clima de incerteza, há expectativa de que o Parlamento desfaça ou corrija a medida do Poder Executivo. Pelos debates ocorridos até agora e o clamor de descendentes de italianos, além de autoridades de vários países, é possível que o Poder Legislativo não aceite simplesmente apagar 150 anos de história da italianidade no mundo e dizimar o direito já adquirido de milhões de italianos nascidos no exterior. Só no Brasil, são cerca de 40 milhões.

“A mudança não é definitiva e é absolutamente reversível. O momento exige atenção, mobilização e, sobretudo, trabalho jurídico. Enquanto isso, a recomendação é que os interessados em reconhecer sua cidadania busquem apoio jurídico qualificado e experiente para que possam buscar as melhores soluções”, recomenda Fábio Stella.

O advogado do escritório Stella Cidadania prevê que caso o Decreto e/ou Lei posterior com mesmo viés discriminatório, imoral e ilegal, se mantenha com o “aval” do Parlamento, sobretudo daqueles alinhados politicamente ao ministro Tajani, haverá a maior judicialização já vista pelos Tribunais. Ele ressalta que o Poder Judiciário italiano, felizmente, não tem compromisso com o erro.

“O Poder Judiciário da Itália vemfazendo a justiça à luz da lei e jurisprudência consolidada há mais de um século, que reconhece o direito à cidadania como algo caráter originário e imprescritível, iure sanguinis, além de respeitar o princípio jurídico da irretroatividade da lei, pilar do Direito Italiano (que inclusive é base para o ordenamento jurídico que conhecemos aqui no ocidente), mais do que um princípio, é o que assegura a segurança jurídica de qualquer ordenamento e Estado Democrático”, pondera Fábio Stella.

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