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 | Alexandre MacieiraRiotur
| Foto: Alexandre MacieiraRiotur

Um dos itens do Museu Nacional que mais encanta os visitantes, o meteorito Bendegó sobreviveu ao incêndio que destruiu a instituição neste domingo (2). 

Maior exemplar do Brasil, o meteorito foi descoberto em 1784, próximo ao riacho Bendegó, no sertão da Bahia. Com uma massa de 5.360 Kg de ferro e níquel, o meteorito era o segundo maior do mundo quando foi encontrado; hoje ocupa a 16ª posição. 

Pela sua composição, o mineral suporta temperaturas de até 10 mil graus Celsius. Apesar de ter resistido ao incêndio, o Bendegó pode ter sofrido alterações na sua composição físico-química. “Qualquer matéria exposta ao calor intenso tem alguma alteração de superfície ou de seu núcleo”, disse o arqueólogo Gerson Levi Lazzaris, do Departamento de Antropologia da Vanderbilt University, no Tennessee (EUA). 

O meteorito acabou como metáfora de resistência diante da destruição. “Perdemos parte do acervo, que não façam com que o Brasil perca sua história. O Bendegó resistiu, e, da mesma forma, vamos resistir”, disse Alexander Kellner, diretor do Museu Nacional. 

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A importância científica do meteorito é grande. Os primeiros estudos sobre esse siderito foram publicados há mais de cem anos, e ele fez grandes contribuições à ciência meteorítica. 

“Sua descoberta em 1784 no sertão da Bahia, sua épica remoção para o Museu Nacional (Rio de Janeiro) no final do século XIX e sua participação em estudos que estabeleceram a classificação química dos meteoritos metálicos na década de 1970 credenciam esse visitante espacial a reafirmar junto à comunidade geológica brasileira a importância dessas amostras extraterrestres que são autênticos arquivos repletos de informações sobre o que ocorreu nos primórdios do sistema solar e nos processos de diferenciação química dos planetas e asteroides”, relatam os autores do artigo científico “O Meteorito Bendegó: história, mineralogia e classificação química”, de 2011, publicado na Revista Brasileira de Geociências. 

O Bendegó foi descoberto nos primórdios da ciência de meteoros, dez anos antes da publicação de um estudo pioneiro sobre meteoritos, e teve papel relevante na jornada pelo reconhecimento da meteorítica como ciência. As primeiras análises químicas de meteoritos foram divulgadas apenas no início do século 19. 

Além da massa principal do meteorito que se encontra na entrada do Museu Nacional, amostras diversas, de vários tamanhos e pesos integram o acervo de pelo menos 29 instituições acadêmicas e museus em todo o mundo, segundo o artigo de 2011. Elas foram retiradas de uma fatia de 60 quilos que foi destacada da massa principal em 1888. 

O meteorito Bendengó foi encontrado durante o reinado de D. Maria I, a Louca. Ainda há controvérsias sobre a identidade do descobridor, mas uma hipótese é a de que um rapaz chamado Mota Botelho tenha feito a descoberta enquanto procurava uma vaca desgarrada. 

Segundo o artigo publicado na Revista Brasileira de Geociências, o material teria sido considerado indício de uma valiosa jazida de ferro no local. O governador teria ordenado o seu transporte a Salvador, para ser remetido a Portugal. Logo desistiram dessa suposição, ao ver que a área ao redor era completamente ausente de ferro mineral. 

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Nos dois anos seguintes, houve pelo menos três tentativas frustradas de transportar o meteorito até a capital da Bahia. Na primeira tentativa, a força de 30 homens não foi suficiente para remover o objeto de seu local. Na segunda tentativa, o bloco de ferro foi colocado sobre uma carreta puxada por bois, que andou 180 metros. As condições do local e da missão impediram o seu sucesso. 

Para a terceira tentativa, foi construído um aterro ligando as duas margens do riacho. No entanto, o material usado não suportou o peso da carreta e de sua carga. 

Finalmente, em 1887, no final do Segundo Império do Brasil, a Sociedade Brasileira de Geografia organizou uma expedição para transportar o meteorito para a sede da corte do Imperador D. Pedro II, que havia solicitado pessoalmente o empreendimento. 

Os trabalhos de remoção e transporte começaram em 7 de setembro de 1887 e terminaram em 15 de junho de 1888, com a chegada do siderito ao Rio de Janeiro. O objeto foi transportado até uma estação de trem no município de Itiúba, seguiu de trem até Salvador, e de lá foi transportada de navio para o Rio de Janeiro.

Lá foi recebido pela Princesa Isabel e entregue ao Arsenal de Marinha da Corte, onde foi estudado. Concluídos os estudos, o meteorito Bendegó foi levado ao Museu Nacional, que na época estava localizado em outro lugar.

Se tivesse sido levado a Portugal, teria sido fundido para extração dos minerais e não teria ocupado o lugar de honra na entrada do prédio histórico do Museu Nacional por tantos anos.

Meteorito de Bendegó em 1887 ainda na margem do riacho Bendegó, com o vice-almirante José Carlos de Carvalho e os engenheiros Humberto Saraiva Antunes e Vicente José de Carvalho. Ao fundo, tremula a Bandeira do Império do Brasil.H. Antunes

Resgate 

Pedaços do teto da sala da astrônoma Maria Elizabeth Zucolotto ainda caíam quando a pesquisadora entrou no Museu Nacional por volta das 9h desta segunda-feira (3) para resgatar parte da coleção de meteoritos da instituição, a maior do país. 

Das 24 peças pequenas expostas, conseguiu salvar 18, antes de sair com receio de a estrutura desabar. “Tinha pedaços de reboco do teto caindo, precisei sair”. Essas peças resgatadas devem ser levadas a outros prédios do museu, segundo ela. 

O Bendegó não foi retirado do local. Também intacto está o de Santa Luzia, com 1,98 tonelada, que também é constituído majoritariamente de ferro. 

O acervo total de meteoritos do museu, contando os expostos e os que estão fora de exposição, tem mais de 400 peças, segundo a pesquisadora. 

Ela conta que soube do incêndio após receber um telefonema de uma vizinha na noite de domingo (2). “Parecia que alguém da família tinha morrido. A gente ligou a televisão, viu a notícia e correu para cá”, conta ela. Funcionários retiraram computador e microscópios de sua sala, diz Zucolotto. 

“A gente ainda está avaliando o dano”, afirma ela, antes de desligar a ligação com pressa, “tenho que ver onde tem produtos químicos que podem explodir”, justifica. 

Como o prédio principal do museu (Palácio da Quinta da Boa Vista) provavelmente sofreu perda total, os meteoritos podem estar entre as únicas peças intactas. A instituição detém a maior coleção de meteoritos do país, com 62 peças.

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