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Quem não teve a sorte de viver a passagem dos anos 1960 para os 1970 certamente ouviu em algum momento da vida relatos da efervescência cultural do período e curtiu a música, o cinema e demais expressões artísticas produzidas por seus expoentes. Também ficou sabendo de Charles Manson, um fruto desse universo, mas que não tinha o talento musical das grandes lendas nem era um hippie legítimo. Compensou essa carência comandando assassinatos ritualísticos que, de fato, o fizeram entrar para a história.
As fontes para se aprofundar na trajetória de Manson são inúmeras e não devem parar de surgir. Prova disso é que a Netflix lançou há três meses mais um produto que especula sobre os motivos para a ascensão do guru americano: Caos: Os Crimes de Manson. O tema pode parecer batido para alguns, mas o biscoito é fino. Para começar, quem assina a direção do filme é Errol Morris, que ganhou o Oscar com Sob a Névoa da Guerra (2003) e inovou a linguagem dos documentários com A Verdade contra Tudo (The Thin Blue Line), em 1988.
O experiente diretor toma como base um livro de nome semelhante lançado em 2019 por Tom O’Neill, que vai fundo na investigação dos assassinados perpetrados pela gangue de Charles Manson em 1969 – conhecidos como Tate-LaBianca Murders. Esse calhamaço de O’Neill questiona principalmente o material publicado pelo promotor original do caso em 1974 no best-seller Helter Skelter (no Brasil, Manson, Retrato de um Crime Repugnante).
Rancho de desocupados
Talvez seja muita informação para quem só conhece o assunto de orelhada. Mas, mesmo sem seguir um caminho puramente didático, Morris dá conta de explicar o cenário original e as teses mais recentes. O que o expectador precisa saber de saída é que Manson era um ex-presidiário que começou a zanzar por Los Angeles na segunda metade dos 60 e rapidamente angariou uma seita de gente perdida que atendia a seus caprichos.
Enquanto atraia malucos para o seu rancho, Manson tentava emplacar uma carreira musical, aproximando-se de estrelas como Dennis Wilson, que gravou uma de suas composições com a banda The Beach Boys (Cease to Exist, rebatizada de Never Learn Not to Love), e figurões da indústria como Terry Melcher, produtor que se recusou a contratar o guru para sua gravadora. Acreditando que Melcher morava numa mansão localizada na Cielo Drive, o maluco enviou sua trupe para lá com a ordem de matar todos os presentes.
Eles não encontraram o antigo residente, mas, sim, outras celebridades como o cabelereiro do jet set Jay Sebring e a atriz Sharon Tate, esposa do cineasta Roman Polanski, grávida de oito meses e meio. Todos foram executados. Na noite seguinte, mais inocentes perderam a vida, dessa vez com Manson na cena do crime.

Tirando o despeito pela porta na cara oferecida por Melcher, as motivações seguem misteriosas até hoje. O próprio Tom O’Neill assume no filme que não há uma certeza evidente, mas seu livro defende que Manson tinha a condescendência da CIA para fazer suas barbaridades. Talvez para manchar a imagem da comunidade hippie, talvez para iniciar uma guerra contra o movimento negro, à época representado pelo grupo Os Panteras Negras. Não há um veredito, mas Caos: Os Crimes de Manson explora essas possibilidades e deixa quem o assiste com a pulga atrás da orelha.
Entre os materiais mais fascinantes do documentário estão as imagens da época, que mostram o fascínio que os membros da seita tinham por Charles Manson. Mesmo atrás das grades, esperando julgamento, os comandados seguiam macaqueando o comportamento de seu líder. Se Manson aparecia no tribunal com uma suástica talhada na testa, as garotas da gangue surgiam na audiência seguinte com o mesmo adorno. Isso atesta o magnetismo do vagabundo, que podia ser um cancionista medíocre, mas tinha uma lábia invejável, ainda que hoje pareça que ele não juntava lé com cré e que só um perfeito otário seria capaz de cair em seu conto.
- Caos: Os Crimes de Manson
- 2025
- 96 minutos
- Indicado para maiores de 16 anos
- Disponível na Netflix





