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Cena retrata a Revolução Cultural chinesa: período violento da história
Cena retrata a Revolução Cultural chinesa: período violento da história| Foto: Divulgação/Netflix

A cena inicial de O Problema dos 3 Corpos, nova série da Netflix, não foi muito bem recebida na China. Nacionalistas a acusam de retratar de forma errada os eventos da “Grande Revolução Cultural do Proletariado”, ou, para os iniciados, apenas Revolução Cultural. Como a Netflix é bloqueada na China, e por isso não precisa se preocupar em agradar a ditadura comunista vigente no país, a cena é chocante, sim, mas fiel aos fatos, ao contrário do que alegam os críticos nacionalistas.

Do que trata a tal cena? Um professor de física é submetido a uma sessão de luta, como eram chamadas as humilhações públicas que os “contrarrevolucionários”, “capitalistas” ou “reacionários” sofriam durante a Revolução Cultural. Estudantes do segundo grau ou até do ensino básico, alguns com não mais do que 14 anos de idade, alucinados pela propaganda maoísta, cuspiam, batiam e, em alguns casos, até matavam os “inimigos da revolução”.

Na série, os estudantes tentam obter alguma confissão de culpa do professor, obrigado a usar um chapéu de burro. Em um diálogo que parece surreal, mas sintetiza bem o espírito da Revolução Cultural, os estudantes dizem que a teoria da relatividade de Einstein é reacionária e que o Big Bang é a teoria mais reacionária de todas. O professor responde calmamente às perguntas, o que só provoca mais ódio nos estudantes, que acabam o espancando até a morte.

Essa cena é o ponto de partida para um conjunto de eventos que vai culminar com o primeiro contato humano com seres extraterrestres muito mais avançados do que a nossa espécie, mas que precisam de um novo planeta para se estabelecer. Enquanto isso, um investigador precisa descobrir por que alguns dos melhores cientistas do planeta estão morrendo.

A seguir, três pontos para entender melhor a primeira temporada da série, sem spoilers.

Grande Revolução Cultural do Proletariado 

O próprio autor do livro homônimo que deu origem à série, Cixin Liu, sofreu com a Revolução Cultural. Quando ele tinha três anos de idade, em 1966, seu pai perdeu o emprego porque o irmão havia lutado contra o Exército Vermelho. O fato de o pai de Liu ter lutado pelo Exército Vermelho se tornou irrelevante – diante dos olhos do regime, ele não era mais confiável.

A Revolução Cultural foi uma reação à perda de poder de Mao Tsé-tung após o Grande Salto Adiante, a tentativa de industrializar a China à força que quase acabou com a agricultura do país e matou de fome por volta de 30 milhões de pessoas. O fracasso debilitou Mao, que promoveu uma lavagem cerebral nos estudantes para retomar o poder. A partir de então, cientistas, artistas e intelectuais foram duramente perseguidos pelos próprios alunos, livros foram banidos e queimados em cerimônias públicas, algumas com a presença do próprio Mao.

Acusações vagas de “agente do capitalismo” (uma mulher poderia ser denunciada se usasse batom ou saltos altos, e um homem pelo simples fato de usar gravata, por exemplo) ou reacionarismo bastavam para destruir a vida de uma pessoa. O símbolo do movimento foi o Livro Vermelho, que trazia o “pensamento vivo” de Mao Tsé-tung. Milhares de monumentos históricos foram destruídos, e uma grande parte da história da China se perdeu para sempre.

A situação só melhorou quando ficou claro que a radicalização tinha ido longe demais. A escolarização dos chineses sofreu um duro golpe pois, com tantos professores perseguidos, a maioria das escolas do país fechou. Com a morte de Mao e a ascensão de Deng Xiaoping (ele próprio um dos proscritos pela Revolução Cultural) ao poder, a China entrou em uma fase de crescimento econômico e social acelerado.

Três corpos celestes 

Uma das características do livro de Cixin Liu, engenheiro de formação, é lidar com conceitos reais (e complexos) da ciência em sua obra. O Problema dos 3 Corpos, que dá nome ao primeiro volume da trilogia escrita por ele (os dois volumes incluem A Floresta Sombria e O Fim da Morte) trata de um conceito astronômico relacionado à complexidade de prever o movimento de três corpos celestes que exercem atração gravitacional entre si. As interações gravitacionais entre esses corpos podem resultar em comportamentos imprevisíveis e extremamente complexos ao longo do tempo. Como a própria série explica, em sistemas assim é difícil, e muitas vezes impossível, calcular com precisão as órbitas ou posições futuras desses corpos. Na série, identificar esse problema é essencial para o andamento da trama.

Coexistência ou assimilação 

Uma das personagens principais da série é Ye Wenjie, filha do professor de física vítima da Revolução Cultural. Ela pede ajuda dos extraterrestres. “Venham nos salvar”, escreve em resposta a uma mensagem enviada pelos alienígenas. Tendo vivido o pesadelo da Revolução Cultural e de um campo de trabalhos forçados, para onde ela foi enviada após a morte do pai, é compreensível o sentimento de que apenas fatores externos possam a salvar do comunismo. Mas como seria a interação entre a humanidade e uma civilização alienígena?

Vários cientistas pensam que não deveríamos nem tentar contato com outras civilizações. “Só precisamos olhar para nós mesmos para ver como a vida inteligente pode se transformar em algo que não gostaríamos de encontrar”, afirmou o físico Stephen Hawking, autor do best-seller Uma Breve História do Tempo, em 2010. Ele fez uma comparação com o encontro da civilização europeia com os nativos do continente americano. “Não acabou bem”, disse.

Douglas Vakoch, presidente do METI (Messaging Extraterrestrial Intelligence International, organização dedicada ao envio de mensagens para possíveis civilizações extraterrestres), publicou um artigo na revista Nature, em 2016, para rebater os questionamentos de que era perigoso enviar este tipo de mensagem. Para Vakoch, é importante manter contato até para encontrar uma civilização que tenha tecnologia possível para proteger a humanidade de outras espécies não tão amigáveis.

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