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Em junho deste ano, o jornalista americano Ralph Pezzullo – autor de bestsellers sobre inteligência militar e operações especiais, como Jawbreaker, sobre a operação que derrubou o Talibã em 2001, e Inside SEAL Team Six, biografia de Don Mann, ex-membro da unidade de operações especiais da Marinha americana – foi convidado pelo amigo Rob Zach, ex-agente da DEA (a agência americana de repressão às drogas), para colaborar em um trabalho para uma empresa de mídia que ele e um sócio haviam fundado recentemente.
Num almoço em Los Angeles, Rob apresentou-o a Martin Rodil, um venezuelano que já havia prestado serviços à DEA e que agora, em companhia do ex-agente da CIA Gary Berntsen (com quem Pezzullo coautorou Jawbreaker), vinha trabalhando em uma investigação sobre fraude eleitoral nos Estados Unidos e no exterior. Rodil ofereceu-se para mostrar a Pezzullo uma apresentação que ele e Berntsen haviam preparado.
Curioso, no dia seguinte Pezzullo dirigiu-se ao local onde Martin estava hospedado. Ali, foi conduzido passo a passo por uma apresentação em PowerPoint de quatro horas de duração, detalhada em cada aspecto. “Dizer que fiquei chocado e furioso ao final seria um eufemismo”, escreve o autor. “Eu estava horrorizado. Os fatos apresentados provavam que o país em que eu crescera e que amava estava sob ataque, e que o futuro do nosso governo representativo estava em risco.”
Indagando como poderia ajudar na investigação, Pezzullo recebeu de Rodil a sugestão de escrever um livro sobre o assunto. Aceitou de imediato.
“As informações contidas neste livro são o resultado de uma investigação criminal iniciada há mais de quatro anos por dois denunciantes muito capacitados e corajosos, ambos veteranos da área de inteligência, um dos quais nem sequer é cidadão dos Estados Unidos. Eles fizeram isso a um custo pessoal enorme e com risco à própria vida, porque acreditam em nossa democracia e valorizam a liberdade individual (...) Nas páginas seguintes, eles fornecerão as provas de que nossas eleições estão sendo roubadas, como estão sendo roubadas e por quem. Eles fizeram isso à moda antiga, como na aplicação da lei: identificando e recrutando fontes dentro da conspiração criminosa, incluindo os engenheiros de computação que construíram o sistema e planejaram e executaram o roubo de dezenas de milhares de eleições só nos Estados Unidos. Isso é nada menos que o crime do século e o maior ataque já visto ao sistema representativo – e às democracias ao redor do mundo – em toda a história. Agora cabe a você e a mim – os cidadãos dos Estados Unidos e as pessoas do mundo (independentemente de sua preferência política) que valorizam a democracia e o sistema representativo – exigir que esses crimes sejam processados e que nossos sistemas eleitorais sejam reformados e protegidos.”
Assim, portanto, começa Stolen Elections: The Takedown of Democracies Worldwide [Eleições Roubadas: o Assalto às Democracias Mundo Afora], o livro recém-publicado por Pezzullo com base no material de Rodil e Berntsen. Nele, o autor debruça-se sobre um grande esquema global de fraudes eleitorais, uma infiltração estruturada que, concebida na Venezuela chavista, se estende por mais de setenta e dois países, e opera com precisão cirúrgica dentro de democracias formalmente consolidadas, mas muito vulneráveis.
Escrito em uma prosa típica de thriller, já característica do autor, o livro mostra não apenas como o sistema eleitoral americano foi comprometido, mas como ele é parte de uma rede internacional de manipulação política que combina software, inteligência militar, corporações de tecnologia e redes de narcotráfico. A tese é contundente, e o esquema denunciado vai além da simples interferência em eleições nacionais: trata-se da busca por controlá-las desde a origem, reescrevendo resultados e estruturando um controle invisível sobre a vontade popular.
O livro começa com uma cena que sintetiza o cinismo e a audácia do mecanismo exposto. Em 2008, em conversa com seu segurança, o ditador venezuelano Hugo Chávez teria afirmado: “Estou prestes a eleger o primeiro presidente negro dos Estados Unidos.” Chávez referia-se a Barack Obama, e a declaração, longe de ser mera figura de linguagem, demonstra a consciência do regime venezuelano sobre a capacidade de manipular eleições fora de seu território. Com efeito, segundo uma fonte entrevistada por Pezzullo – um ex-programador do regime chavista que serviu de informante para Rodil e Berntsen – foi graças à Smartmatic que Obama venceu as primárias do Partido Democrata em 2008 no Condado de Cook, Illinois (Chicago). “Essas máquinas foram usadas para garantir a vitória de Obama. Já haviam sido usadas nos EUA antes, mas o software instalado e usado na primária do Condado de Cook era 100% feito na Venezuela”, diz a fonte.
Como funciona o sistema
A descrição do sistema é perturbadora. Os denunciantes o comparam a um vírus, invisível e mutante, que se adapta continuamente para escapar de qualquer mecanismo de defesa. O código-fonte do software eleitoral é controlado pela cabala que dirige o sistema, alterado periodicamente para dificultar rastreamento, enquanto empresas responsáveis por auditoria pertencem direta ou indiretamente aos mesmos operadores. O resultado é um sistema hermeticamente blindado, no qual a aparência de segurança é a própria fachada da fraude.
É exatamente essa falha estrutural que torna ridícula a afirmação de que a eleição americana de 2020 teria sido “a mais segura da história”, proclamada por Christopher Krebs (então diretor da CISA, a Agência de Segurança de Infraestrutura e Cibersegurança) e pelo Comitê Executivo do Conselho Coordenador de Infraestrutura Eleitoral dos EUA. Nas palavras de Pezzullo: “Este livro provará o quanto aquela declaração estava errada, era enganosa e destrutiva. E como ela fazia parte de uma falha monumental do nosso aparato de inteligência e segurança nacional, que consome bilhões de dólares. Eles são pagos para nos proteger. Eles não fizeram o seu trabalho.”
A narrativa ganha densidade ao detalhar o papel humano no funcionamento desse mecanismo. Desertores do regime de Chávez, incluindo engenheiros, empresários e operadores de inteligência, forneceram informações essenciais para mapear o sistema de controle eleitoral e explicar suas ramificações internacionais. Estes relatos mostram que o aparato de fraude não se limitava à Venezuela, mas foi replicado na Bolívia de Evo Morales, na Nicarágua de Daniel Ortega, no Equador de Rafael Correa e em outros países latino-americanos, que o autor não menciona expressamente. Trata-se de uma nova forma de golpe de Estado: não há necessidade de tanques ou quartéis, apenas do controle do fluxo de informações e do software que registra e processa votos. Um golpe silencioso, preciso, irreversível, mas perfeitamente camuflado sob a fachada da democracia.
Pezzullo mostra que os denunciantes aplicaram métodos clássicos de investigação criminal: recrutaram fontes dentro do círculo dos operadores do sistema, verificaram documentos, cruzaram dados e construíram um quadro irrefutável do funcionamento interno da fraude. O relato do empresário venezuelano que teve seus negócios confiscados pelo regime bolivariano é particularmente revelador: ele descreve como o controle das máquinas de votação permitiu ao chavismo perpetuar-se no poder sem necessidade de confrontos abertos, mostrando que o domínio tecnológico substituiu a força militar na consolidação do poder político.
Críticas e evidências
O livro não poupa críticas às falhas institucionais. Ao apresentarem suas evidências a autoridades americanas, Berntsen e Rodil foram tratados com desconfiança ou ignorados, e em alguns casos monitorados como se fossem criminosos. Agências como o FBI, a CIA e o Departamento de Justiça falharam em investigar as denúncias, e think tanks e veículos de mídia recusaram apoio institucional ou financeiro. Fox News e Newsmax, processadas por Dominion e Smartmatic, aceitaram acordos extrajudiciais rapidamente, reforçando a percepção de que o ecossistema político-midiático atua para silenciar investigações sobre manipulação eleitoral. A narrativa evidencia um padrão sistemático de omissão, autopreservação e silêncio corporativo, que permite à fraude prosperar sem contestação efetiva.
Pezzullo expande a análise para implicações globais. Qualquer democracia que confie em sistemas de votação centralizados, sem comprovantes físicos verificáveis, reproduz vulnerabilidades similares. No caso brasileiro, por exemplo, como sabemos, a urna eletrônica concentra em um único órgão o controle sobre toda a votação, auditoria e validação, com mecanismos limitados de verificação externa. Como concluiu a auditoria especial realizada pelo PSDB após a eleição de 2014: a) o sistema eleitoral brasileiro não permite auditoria independente efetiva do resultado produzido; b) a etapa de votação e apuração dos votos feitos nas urnas eletrônicas não pode ter sua confiabilidade garantida devido às severas restrições impostas pela autoridade eleitoral. Convém lembrar que a eleição de 2014, que terminou com a vitória da petista Dilma Rousseff, foi parcialmente operacionalizada pela Smartmatic chavista.
“Entrar no mercado brasileiro em 2012 foi uma oportunidade incrível para nós para demonstrar como podemos melhorar a administração eleitoral por meio de nossos serviços de tecnologia originais e inovadores”, comentou à época Antonio Mugica, então CEO da Smartmatic, que três anos depois, numa coletiva de imprensa em Londres, viria a acusar o regime de Nicolás Maduro de usar o software de sua empresa para manipular os resultados da eleição da Assembleia Constituinte venezuelana de 2017.
O fato é que a centralização e a inauditabilidade externa do sistema brasileiro reproduzem o problema estrutural descrito por Pezzullo: a tecnologia, embora segura em termos operacionais, não garante integridade sem auditoria independente. A experiência americana alerta que terceirizar a soberania eleitoral a sistemas fechados e opacos é delegar o poder de determinar resultados a operadores que não prestam contas a ninguém, sejam eles internos ou estrangeiros.
Stolen Elections detalha, com precisão, a lógica de operação do sistema de fraude: ele permite que alguns candidatos da oposição vençam em distritos específicos, criando uma ilusão de legitimidade, enquanto o resultado geral é controlado. Trata-se de um aparato projetado para simular aleatoriedade, gerar falsos positivos de integridade e produzir resultados plausíveis. As vitórias ocasionais da oposição são deliberadas, como parte de um cálculo para manter a aparência de normalidade. Assim, o controle é estrutural, não acidental, e o sistema é impossível de ser contestado sem acesso ao código-fonte que o define.
E aqui está um ponto crucial do livro, revelado pelos informantes ex-colaboradores do esquema chavista: o software eleitoral pode se modificar ao longo do tempo, mas o código-fonte original permanece o mesmo. Foi o que aconteceu, por exemplo, com a Sequoia Voting Systems, empresa californiana que havia desenvolvido um sistema de votação por cartões perfurados. Em 2005, a Sequoia foi adquirida pela Smartmatic, mas posteriormente, graças a acusações de que a empresa chavista havia manipulado os resultados do referendo de 2004 que manteve Hugo Chávez no poder, novamente vendida (para a Dominion).
Ocorre que o software da Smartmatic já havia sido instalado nas máquinas de votação da Sequoia. Isso foi revelado em 2007, quando autoridades do estado da Califórnia revisaram o sistema de votação da Sequoia e encontraram vários problemas fundamentais, que não cabe aqui detalhar. O importante a se reter é que, ao longo dessas mudanças – de Smartmatic para Sequoia e depois para Dominion –, o software se modificou, mas o código-fonte permaneceu o mesmo e continuou sob propriedade e controle dos desenvolvedores venezuelanos originais, todos ligados ao regime chavista. Nas palavras de Martin Rodil, que comparou o código-fonte ao DNA humano:
“Se você usa o mesmo software e muda o nome, é como se você tivesse aprontado quando tinha dezessete anos com uma namorada, e então, vinte anos depois, ela aparece com um filho de vinte anos e diz que ele é seu. Se você concordar em fazer um teste de DNA, ela pode provar. Aquele rapaz de vinte anos é seu filho”.
Simulacro de democracia
Pezzullo enfatiza a dimensão moral do problema: o colapso da supervisão institucional transforma a democracia em simulacro. Onde deveria haver alternância, incerteza e disputa legítima, encontra-se um processo manipulado, no qual o eleitor deixa de ser soberano. A captura do processo eleitoral é mais grave que um ataque militar: substitui silenciosamente o soberano e torna irrelevante a vontade popular. Não é à toa que Pezzullo se refira ao esquema chavista (com apoio russo-chinês) de “crime do século”, porque o sistema de fraude atua de forma contínua, internacional e tecnologicamente sofisticada. Em suas palavras:
“Você pensa que está contratando um sistema de votação eletrônica com mecanismos de segurança integrados, fornecido por empresas como Smartmatic ou Dominion, para conduzir eleições em seu distrito — mas o que na verdade está adquirindo é um sistema criado na Venezuela, ainda conectado eletronicamente à Venezuela, e projetado para roubar eleições por meio da alteração remota dos resultados”.
Destaca-se no livro o papel crucial dos denunciantes. Berntsen e Rodil assumiram riscos pessoais enormes, reunindo evidências que as agências oficiais se recusaram a levantar. Sua atuação demonstra que a preservação da democracia não depende apenas de instituições, mas de cidadãos que estejam dispostos a agir diante de falhas sistêmicas. A apresentação de quatro horas feita a Pezzullo, com detalhes técnicos e estratégicos, desmonta a narrativa de que alegações de fraude eleitoral seriam teorias conspiratórias, oferecendo ao leitor evidências concretas – expostas ao longo de páginas e páginas da obra – de manipulação estrutural, planejamento deliberado e execução sistemática de fraude.
Alerta fundamental
Finalmente, Stolen Elections lança um alerta sobre o papel do cidadão em sociedades tecnocráticas. Confiar cegamente em sistemas de votação centralizados e auditáveis apenas na forma, sem meios independentes de verificação, significa abrir mão da soberania e permitir que terceiros decidam o destino das eleições. Nos Estados Unidos e no Brasil, a experiência mostra que a complacência institucional, combinada com confiança acrítica na tecnologia, gera um vácuo de responsabilidade que pode ser explorado por interesses internos e externos. A preservação da democracia exige, portanto, não apenas tecnologia, mas mecanismos de auditoria, transparência radical e vigilância social.
Eis por que a obra não seja leitura recomendável a conformados e medrosos. Trata-se de um dossiê robusto sobre o colapso do sistema representativo e a captura tecnológica do voto, um alerta sobre as consequências de negligenciar o controle sobre instrumentos centrais da soberania popular. Pezzullo entrega uma investigação profunda, minuciosa, perturbadora e necessária. Ele mostra que o destino das democracias modernas está sendo decidido, não nas urnas, mas no código-fonte que as controla, e que, se os cidadãos não exercerem vigilância efetiva, outros – alheios à prestação de contas – lhes tomarão o lugar.
A mensagem final do livro é clara: a democracia existe enquanto houver cidadãos dispostos a defendê-la. A ausência de ação, a terceirização da soberania, a confiança cega na tecnologia e a complacência institucional permitem que interesses opacos determinem resultados eleitorais. Stolen Elections expõe que a liberdade política não é garantida por sistemas sofisticados, mas pela coragem de indivíduos que se negam a ser espectadores, e pela exigência de transparência e responsabilidade de toda a sociedade.
“De acordo com todos os engenheiros de computação e especialistas em votação consultados pelos denunciantes, a solução para o problema é retornar às eleições manuais, com cédulas de papel, contagem manual e relatório manual” – escreve Pezzullo. “Por que os especialistas em computação concordam com isso? Porque eles sabem que não existe software impenetrável”.
Portanto, a causa defendida pelo autor – a de recuperar eleições livres e justas e salvar as democracias ao redor do mundo – toca muito particularmente o coração do leitor (e eleitor) brasileiro. Se há um país do mundo que deveria traduzir, divulgar e discutir o conteúdo de Stolen Elections, esse país é, sem dúvida, o Brasil. Que esta resenha sirva de pontapé inicial dessa empreitada.
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