Vem de longe a fixação dos brasileiros por crimes chocantes. Um marco na mídia que pode ser apontado como comprovação disso é a fundação do Notícias Populares, em 1963. No jornal paulistano da categoria “espreme e sai sangue”, que saiu de cena há mais de duas décadas, assassinatos violentos eram tratados de maneira ordinária e entravam para o imaginário popular.
Essa característica tomou outra proporção no final dos anos 1990, quando o caso do assassino serial Maníaco do Parque dominou o noticiário nacional. Até programas dominicais, como o Domingo Legal, apresentado pelo finado Gugu Liberato, exploraram o tema à exaustão, espetacularizando um crime que traumatizou inúmeras pessoas. Com o lançamento de um filme sobre o bandido no Prime Video, o assunto voltou à pauta do dia, com muita reclamação sobre a qualidade da obra ficcionalizada. Para compensar, o mesmo streaming lança agora outro produto, capaz de promover um debate mais maduro sobre o ocorrido.
Dividida em quatro partes, a série documental Maníaco do Parque: A História Não Contada oferece uma discussão sobre o papel da imprensa sensacionalista no episódio. Além disso, relata o preconceito que algumas das sobreviventes sofreram quando tentaram denunciar Francisco de Assis Pereira para a polícia – o que poderia ter reduzido drasticamente o número final de mulheres mortas pelo elemento.
Os tópicos são levantados por meio de material registrado na época, entrevistas inéditas com vítimas que escaparam do assassino, familiares das vítimas e do Maníaco, além de áudios inéditos do próprio. Assim, Maníaco do Parque: A História Não Contada traça um panorama bem completo e bastante crítico com base em diferentes pontos de vista sobre os acontecimentos.
Livre em quatro anos
Cada capítulo aborda uma etapa da investigação e sua recepção na imprensa. Em um primeiro momento, o espectador fica por dentro de detalhes sobre os crimes cometidos. Depois, acompanha como foi todo o processo de prisão e a subsequente “fama” televisiva do marginal, que prestou um desserviço aos torcedores do time de hóquei no gelo Boston Bruins, ao ser capturado usando sua emblemática camiseta preta e amarela (ninguém podia sair na rua trajado com ela sem ouvir algum comentário).
Até o terceiro episódio, o caso do Maníaco do Parque é reintroduzido de maneira ideal para a nova geração que não viveu a época – ou para quem assistiu ao filme, que é lotado de invenções, e quis se relembrar do que de fato ocorreu. Isso pode tornar o produto cansativo para quem acompanhou o noticiário em 1998 ou simplesmente não tem mais estômago para esse tipo de barbaridade. Contudo, o quarto capítulo faz a série merecer o play, pois trata de uma questão atual.
Quando condenado, Francisco assumiu ter matado 11 mulheres, mas respondeu por “apenas” sete crimes. Foi julgado por homicídio qualificado, ocultação de cadáver, estupro e atentado violento ao pudor, recebendo a sentença de 285 anos de prisão. O problema disso, alertado em Maníaco do Parque: A História Não Contada, é que o Código Penal Brasileiro limita o tempo máximo de pena em 30 anos para crimes ocorridos antes de 2020. Ou seja, Francisco não deve cumprir toda a pena e tem chances de ser solto em agosto de 2028.
É um absurdo pensar que em quatro anos ele possa estar livre, ainda mais vendo a preocupação de suas vítimas que escaparam e não conseguem ter paz com a possibilidade de sua soltura. Diferentemente da série Monstros – Irmãos Menendez: Assassinos dos Pais, que pode influenciar até na soltura de uma dupla de criminosos após comover os Estados Unidos, o documentário brasileiro reforça a importância de se discutir a nossa legislação. Não tem como assistir aos quatro episódios e acreditar que o serial killer é uma pessoa capaz de ser reintroduzida na sociedade. Agora é torcer para que a Justiça seja firme e funcione para quem sofreu nas mãos do facínora.
- Maníaco do Parque: A História Não Contada
- 2024
- Quatro episódios
- Indicado para maiores de 16 anos
- Disponível no Prime Video
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